Conteúdo Roda de Amigos

ALEXANDER GROMOW— Um bate-papo refrigerado a ar

ALEXANDER GROMOW — Um bate-papo refrigerado a ar

Ex-Presidente do Fusca Clube do Brasil. Autor de dois livros de sucesso e artigos sobre o assunto publicados no Brasil e também no exterior. Participou do lançamento do Dia Nacional do Fusca e apresentou o projeto que instituiu o Dia Municipal do Fusca em São Paulo. Lançou e assinou o documento que instituiu o Dia Mundial do Fusca em Bad Camberg, na Alemanha. Palestrante e historiador amador reconhecido mundialmente e ativista de movimentos que visam a preservação do Volkswagen Sedan, seus derivados e de automóveis antigos em geral. Participou de vários programas de TV e rádio sobre o assunto. É colunista do Portal Maxicar, assinando a coluna Volkswagen World, o que nos enche de orgulho! É feliz proprietário de “Rosinha”, um simpático “Oval” com teto solar adquirido em 1970, nos tempos da faculdade. Seu primeiro e único Fusca até hoje.

Enfim, Alexander Gromow é uma verdadeira lenda viva entre os “fuscamaniacos” brasileiros, sem nenhum exagero. Nessa terceira edição de Roda de Amigos convidamos 13 craques para conversar com ele. O assunto? Já dá até para adivinhar!


JASON VOGEL – Editor do caderno Carro & ETC, do Jornal o Globo – Rio de Janeiro, RJ

A Volkswagen do Brasil se envergonha de ter produzido o Fusca? E na Europa, como é a relação da Volks com a história da marca?

GROMOW – Caro Jason, perguntinha “certeira” esta, não? Filosofando um pouco reproduzo uma das frases que falam sobre este assunto: A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se adiante. (Kierkegaard – teólogo e filósofo dinamarquês).

Indo ao ponto, a idéia que a Volkswagen do Brasil dá é esta que você colocou, principalmente quando se observa que esta empresa descartou milhares de fotos, não cuidou das micro-fichas com os dados dos carros fabricados, emite circulares para a imprensa cheias de erros clamorosos disseminando a desinformação com o aval oficial da fábrica, etc., etc., etc. Mas pode ser que seja um problema de cultura, ou melhor, de falta de cultura dos envolvidos que acham que os custos necessários para a manutenção da história da fábrica são uma perda de tempo e dinheiro.

AutoMuseum Volkswagen
AutoMuseum Volkswagen

Isto dá uma forte impressão de colonialismo também no âmbito histórico e cultural, pois agora vamos para a segunda parte de sua pergunta. Na Alemanha a coisa é bem diferente, há um setor de manutenção de história com fotos, textos e livros (os meus estão lá); este setor inclusive emite os “certificados de nascimento” dos Fuscas feitos na Alemanha. Há um Museu, o AutoMuseum Volkswagen, em Wolfsburg, com itens incríveis, tem até Fusca brasileiro 1986 Ultima Série e um SP2. Por muitos anos este museu foi dirigido pelo Dr. Bernd Wiersch, que é doutor, pois defendeu tese sobre a história da Volkswagen, portanto ninguém melhor para gerir um museu da marca; Hoje ele está aposentado e se dedica a escrever livros. Recentemente a Volkswagen alemã construiu a Autostadt (Cidade do Automóvel) que uniu um projeto moderno de ponto de entrega de carros novos com um parque temático sobre o automóvel com ênfase para as empresas do grupo VW. Para este projeto foram feitas réplicas perfeitas de protótipos do Fusca.

Ainda sobre a postura da VW do Brasil em relação à sua história, lembro as tentativas isoladas de alguns abnegados funcionários no sentido de construir um Museu VW do Brasil. Até carros foram “secretamente” separados para o acervo deste museu que até hoje não saiu. Enquanto que na África do Sul, com uma filial VW menor que a do Brasil, existe um pequeno Museu da Fábrica…

JULIANO DALLA ROSA – Engenheiro, vice-presidente do Clube do Fusca de Poços de Caldas – MG

Caro Gromow, nós amantes do Fusca devemos muito a você… Dia Nacional do Fusca, Dia Mundial do Fusca, Selo Comemorativo aos 50 anos do Fusca no Brasil, seus imperdíveis artigos aqui do Portal Maxicar, entre outros … Um verdadeiro historiador e preservador da historia do Fusca. Muitos não sabem, mas a Kombi Serie Especial teve seu surgimento após contato seu com a VW. Como foi este episódio?

Kombi Série Prata. No detalhe, a logomarga da linha de montagem

GROMOW – Estimado Juliano,
Você está revelando a ponta do iceberg…
Mas vamos ficar no caso das Kombis, que na verdade começa com a despedida mundial do motor VW Boxer, último elo entre o Dr. Ferdinand Porsche, sua equipe e a VW mundial que foi produzido no Brasil até o dia 26 de dezembro de 2005. Este valente propulsor, que para mim é na verdade o coração da Fuscamania e que une todos os veículos que ele “empurra” e seus donos num gigantesco grupo de amantes da marca.

Mas em abril de 2004 eu recebi a informação via Inglaterra que a produção da Kombi iria ser encerrada, o que depois viria a ser, na verdade, o fim do motor refrigerado a ar. Naquela época, o meu contato na VW do Brasil era uma pessoa muito especial, o Paulo Sérgio Kakinoff, hoje Presidente da Audi do Brasil. Uma das coisas que eu fiz foi sugerir ao Kakinoff que fosse feita uma série especial para marcar a despedida da Kombi. Por sorte eu guardei o rascunho do e-mail abaixo que fala por si mesmo:

Estimado Paulo Sérgio,
Veja só como as coisas são. Quando o Fusca saiu de linha no Brasil em 1986, bem antes de sua investidura no seu atual cargo, a Volkswagen do Brasil fez uma propaganda no mínimo desrespeitosa dizendo que: “As vezes o avanço tecnológico de uma empresa não está no que ela faz. [silhueta do Fusca] Mas no que deixa de fazer.” Mesmo em 1996 a despedida do Fusca foi, no mínimo, pífia. Que pena.
Acabo de receber uma fita enviada pela Volkswagen México com as propagandas que foram feitas para a despedida do Vocho: um verdadeiro primor. Sensibilidade e respeito. Acho que você deve conhecer este material, caso contrário posso providenciar uma cópia para você.
Você lembra quando se dizia que o que se via na rua ou era Fusca ou era Kombi?
Esta introdução tem uma finalidade que é falar da despedida da Kombi, que mesmo não sendo necessariamente a minha especialidade, é o último veículo com motor boxer refrigerado a ar que ainda é produzido pela Volkswagen no mundo e que vem do Fusca. Através de um colega da Inglaterra eu soube que a Kombi deve deixar as linhas de montagem em agosto próximo. Eu acho que o fato de tirar este veículo das linhas de produção é, sem dúvida nenhuma, uma prerrogativa da Montadora e dispensa comentário ou crítica, além de ser uma coisa já esperada.
Acho, no entanto, que seria um ato de respeito com Ferdinand Porsche, que concebeu este motor, com a Kombi, com o Fusca e com milhões de usuários e adeptos, promover uma despedida à altura destes veículos e deste grande gênio, sem esquecer dos aficionados pela marca. A Kombi foi uma das importantes ferramentas de progresso no Brasil e no Mundo.
Talvez eu esteja chovendo no molhado, mas não pude me furtar de escrever para você. Deixo claro que não é minha intenção ingerir nas decisões da Volkswagen do Brasil, mas sim, e somente, tenho a intenção de sugerir. Fico à sua disposição para falar sobre este assunto.
Um grande abraço”
Alexander Gromow

Da esquerda para a direita: Eduardo Pessoa de Mello, Boris Feldman, Paulo Sérgio Kakinoff e Alexander Gromow

Seguiram-se vários outros e-mails nos quais fiz varias outras sugestões como numa passagem de um e-mail enviado quando a decisão de fazer uma Kombi comemorativa já tinha sido tomada pela VW do Brasil: “Esta Kombi terá um outfit “retrô” como foi o caso do Ultima Edición mexicano? Como a cor será prata acho que não foi pensado em fazer o modelo com duas cores, saia e blusa que foi uma das marcas registradas de Kombis antigas. Seria muito interessante, caso existisse uma versão saia e blusa que na frente da Kombi a linha divisória das duas cores imitasse o desenho em “V” da frente das Kombis antigas – uma homenagem ao tempo que passou.”

Então veio a Kombi Série Prata. Há pouco tempo, para comemorar o aniversário da Kombi foi lançada a Kombi Série Especial, saia e blusa, mas foi uma iniciativa da fábrica, talvez alguma idéia da troca de mensagens anterior tenha sido aproveitada, como a cor do carro (saia e blusa), mas não posso garantir isto.

BOB SHARP – Jornalista especializado e consultor. Ex-piloto. São Paulo, SP

O ex-diretor de Engenharia (antes era chamada de Pesquisa e Desenvolvimento) da Volkswagen do Brasil disse certa vez que os motores refrigerados a ar ainda tinham lugar num mundo de combate às emissões pelo escapamento. O que acha da afirmação? Concorda que seria ótimo que os carros ditos “populares’ tivessem esse sistema de arrefecimento, pelas vantagens inerentes e conhecidas?

Foto de catálogo do Motor do Fusca mexicano 1600i equipado com injeção Bosch Digifant. No detalhe o catalisador

GROMOW – Grande Bob,
Neste assunto eu sei que você é professor, com toda uma vida dedicada às pistas e motores.
Eu pude acompanhar a evolução do Fusca mexicano que tinha que atender às restrições de emissão maiores do que as vigentes no Brasil à época. A saída foi óbvia: o emprego de injeção eletrônica: no caso, Digifant da Bosch. O carro além de ter ficado dentro dos limites de poluição ganhou em elasticidade, potência e economia. Eu esperava que o Fusca Itamar viesse com um motor destes.
Agora a questão crucial do ser ou não ser: tudo depende de definir em que direção a empresa vai trabalhar. Há pouco tempo nós falamos sobre o motor AP, que na verdade é um motor desenvolvido pela AUDI a partir de um projeto Mercedes Benz e que foi parar na Volkswagen e de lá veio para o Brasil onde fincou pé e estabeleceu uma série evolutiva de motores – foi o canal para uma linha de investimentos.
Eu acredito que se a fábrica tivesse decidido apostar no motor Boxer ele teria um futuro muito bom e uma sobrevida interessante, mas isto implicaria em investimentos específicos para atender às condições ambientais. Mas, por enquanto parece que o motor Boxer foi para o arquivo morto.

Esquecendo por um instante o aspecto do tipo da refrigeração vamos dar uma olhada nos carros que usam motor Boxer hoje em dia e temos Porsche (que atingiu 16 cilindros refrigerados a ar no modelo 917 de competição) e Subaru, por exemplo, que apresentam rendimento e confiabilidade incríveis.

A refrigeração a ar pode limitar o tamanho final dos motores para uso em automóveis de passeio. No caso da VW o limite do motor Boxer foi o Tipo 4 lançado em 1972 que chegou a 2000 cm3 com 52 kW (71 PS; 70 bhp) especialmente desenvolvido para o mercado americano e que obteve um excelente sucesso nos Fuscas com câmbio automático e ar condicionado e também nas gerações avançadas de Kombis como a Syncro de tração nas quatro rodas. Mas dentro da nova tendência de automóveis mais ecológicos e até de híbridos motores 2000 cm3 são até um exagero se estivermos falando de carros pequenos. Acredito que, com o uso adequado da injeção eletrônica e os avanços nesta tecnologia o Tipo 4 ainda estaria “bombando” dentro dos limites de emissão de poluentes existentes, tanto é assim que a Auto Motor und Sport chegou a divulgar que o pequeno “Up” viria com motor Boxer…

MIGUEL PINHEIRO – Presidente do VWBOXER Clube de Brasília – DF

Face seus conhecimentos da história automobilística brasileira, gostaria de saber se a Volkswagem e seus produtos no início da indústria brasileira poderiam ser considerados como elementos de mudanças culturais em nosso país devido a representatividade desta montadora com produtos com VW Kombi, até hoje em produção e Fusca e seus derivados que até hoje estão presentes em nossas ruas e estradas.

Acima, a disputada latinha de bolachas da Club Social (obséquio do Juliano Dalla Rosa). Abaixo, o homônimo beija-flor preto, aliás, Florisuga fusca

Gromow – Caro Miguel,
O aspecto que você levantou é muito interessante mesmo. Acho que as mudanças não foram somente culturais, mas vamos ficar no aspecto que você questionou. Uma das características culturais é dividida com outros carros e caminhões alemães, Mercedes Benz e DKW – que abrasileiraram nomes de peças e carros, e juntamente com a colonização alemã mantiveram presente certo sotaque germânico. Tanto é assim que a VW do Brasil, seguindo a imagem corporativa mundial usa hoje o slogan “Das Auto” e ninguém acha estranho. Já o Fusca mesmo no Brasil tem nomes diferentes de norte a sul deste país continente, atendendo às peculiaridades locais demonstrando a integração do carro ao meio ambiente sócio cultural. Mas o nome mais usado acabou nos dicionários com os seus próprios e orgulhosos verbetes. Como no Dicionário Aulete: 1. Bras. Pop. Denom. afetiva dada ao carro Volkswagen, esp. os modelos de 1.200 e 1.300 cilindradas; FUSQUINHA. Em outras partes do mundo Fusca é um nome ligado à biologia (de pato a beija flor), e até por aqui temos um “Fusca Preto” alado minúsculo é o Florisuga fusca nome zootécnico de um beija-flor preto! Que obviamente não tem nada em comum com aquele de quatro rodas a não ser o nome…

Como o Fusca trouxe consigo uma nova era de mobilidade e dado o enorme número de carros vendidos num momento de crescimento brasileiro isto certamente foi um catalisador direto e indireto de cultura e atividades culturais que antes ou não eram feitas ou eram feitas com sacrifício maior. Esta é uma influência mais difícil de mensurar, mas de inegável existência.
No caso da Kombi, ao menos em São Paulo, ocorreu uma alegre re-edição tropical do “Eixo” da Segunda Guerra Mundial ligando a alemã Kombi ao feirante japonês. Basta ir a uma feira para ver que aonde há uma Kombi com grande chance de acertar há um japonês. Por algum tempo isto virou até uma coisa meio padrão. Sem contar o sem número de piadas, como o nome daquele ladrão japonês o Fugiro Na Kombi. Tem até restaurante japonês perpetuando esta ligação: o famoso “Nakombi”.

Por muitos anos Volkswagen foi símbolo de qualidade e confiabilidade, mas também foi vidraça. Alguns quadros humorísticos lançaram chavões que ficaram até hoje, como o famoso “Pois é”.

Mas, talvez, a maior prova da ainda forte influência cultural do Fusca e da Kombi, e de sua integração nas vidas dos brasileiros, é que até hoje estes veículos são escalados para propagandas em vários tipos de mídia, dada a penetração e peso de sua imagem. Lembro que recentemente as bolachas Club Social lançaram latinhas para proteção das bolachas e duas delas eram decoradas com Fusca e Kombi. Resultado? Esgotaram.

ROMEU NARDINI – Comerciante, apaixonado por automóveis, grande entusiasta dos carros antigos e diretor do Clube MP Lafer – Brasil.

Mestre Gromow, eu costumo dizer que somos os felizes integrantes da geração Fusca. Aprendemos a gostar de automóvel, a dirigir, a ter algumas noções de mecânica e aprendemos até a “namorar” dentro de um Fusca. O Fusca é o maior exemplo de uma idéia simples e eficiente. E nunca mais haverá um carro com tanto carisma. Você, como milhões de pessoas, também é um apaixonado pelos “besouros” e se tornou uma referencia no assunto Fusca. Gostaria de saber a sua opinião do porque o Fusca se tornou esse fenômeno mundial (afinal, como outras marcas e modelos, também passou por uma guerra e se sobressaiu brilhantemente) e foi tão importante na vida do brasileiro?

Gromow – Perdi a conta de quantas vezes eu me fiz esta pergunta e quantas ela me foi feita. Muitas pessoas ainda devem estar quebrando a cabeça em busca de uma resposta cabal que eu acho não existe. Como cada um de nós reage de um modo diferente devem existir motivos mais preponderantes para uns dos que para outros, sem contar com os apaixonados pelo carro cuja opinião já deveria ser tomada com certa desconfiança. É inegável que há fatores que acabam valendo para muitos, daí as multidões de amantes do carro…

Dentre os fatores que a gente pode citar, muitos se aplicam também a outros carros, ao menos em algum grau. A questão a ser respondida é porque o Fusca no Brasil e no mundo alcançou este fantástico grau de popularidade dentre tantos outros carros, qual foi o motivo que o levou a ser um campeão mundial de vendas absoluto em sua época? Com base na literatura, podemos descrever um elenco de motivos para ver se isto nos leva à uma conclusão:

Propaganda de época

• Simplicidade: engenharia de bom senso, sem muitas mágicas; logo todos conheciam os truques para uma emergência. Peças até em farmácias, dizia a lenda.
Bem fabricado: neste quesito os Fuscas excediam, ao menos na percepção do povo, fator que mantinha os bons resultados de vendas.• Frugalidade: certamente no quesito economia de combustível o Fusca se destacava, mesmo não sendo sempre um campeão, a concorrência às vezes gastava menos.
Tamanho compacto: surgido numa época quando na Europa circulavam carros minúsculos lá o Fusca era considerado grande, mas no Brasil e nos EUA ele dividia o espaço com carros grandes no início de sua carreira.
• Exclusividade: nada tinha chegado próximo ao desenho do Fusca, talvez o Renault 4CV que não chegou a se estabelecer nas Américas. Estudiosos do relacionamento humano podem ter discutido se a forma de ovo do Fusca pode ter despertado instintos relativos à vida intra-uterina ou chegaram a representar alguma conotação de cunho sexual; como se sabe eles tendem a “encontrar” significados ocultos em muitos objetos comuns. Fato é que os usuários simplesmente gostavam do carro, e sentiam carinho pelo Fusca, independente do fato de haver ou não alguma dimensão oculta em sua adoração.
• Divertimento (curtição): este não seria um termo que se aplicaria normalmente a um carro pequeno da década de cinqüenta e sessenta, mas dirigir um Fusca era e continua sendo muito divertido. É curiosa a quantidade de pilotos de competição nos EUA que eram adeptos do Fusca, a ponto da Revista Road & Track ter comentado em 1954 que não entendia o motivo do Fusca ter um apelo tão forte para os donos de carros esportivos.
• Facilidade de reparo: esta característica formou a fama do Fusca se bem que ela tem duas faces. No que se refere a reparos simples, troca de cabos, ou coisa que o valha tudo bem. Mas quando a coisa ia para o lado do motor, câmbio e suspensão a conversa ficava mais séria. A mecânica do Fusca tem uma concepção lógica, mas exige tolerâncias estreitas. Mas o que vale é que isto não afetou a fama do carro.
Rede de Concessionárias: este sempre foi um dos pontos altos da marca e um dos aspectos que o presidente mundial Nordhoff fazia questão de cuidar. Não se iniciava a exportação de Fuscas para um país se antes não tivesse sido estabelecido um sistema de manutenção operacional.
• Confiabilidade: o Fusca logo e merecidamente ganhou a reputação de ser confiável e previsível, só por este aspecto ele angariou uma legião de amantes. Isto numa época em que os carros mais quebravam do que andavam.
• Inexistência de obsolescência programada: foi um carro que se manteve com a mesma aparência básica, mantendo o princípio dos componentes principais. Por aqui se dizia que o Fusca era um cheque visado. A própria VW não se comportou assim com outros modelos que apareciam e desapareciam sem lógica alguma.
• Melhoria contínua: apesar de se manter fiel ao conceito de manter o carro sem modificações isto não que dizer que não foram feitas melhorias e avanços o que satisfazia muito aos compradores dos modelos novos.
• Alto valor de revenda: o Fusca praticamente não perdia seu valor, fato que o tornou único e que permitiu a muitos manter um interessante ritmo de troca de carros.
• Charme: alguns críticos podem ter rotulado o Fusca de “pato feio”, ou coisa pior, mas isto não impediu que milhões de pessoas se apaixonassem pela forma e funcionalidade do carro. Charme é algo difícil de definir numa pessoa, muito mais em um carro, mas o Fusca o tem de sobra. Mesmo o barulho diferente do motor e do escapamento e o suave lamento do câmbio acrescentaram notas especiais ao charme do Fusca. Cito como curiosidade que a Revista Life apelidou o Fusca de “um membro da família que por acaso mora na garagem.
• Toque de classe: era difícil dizer quem estava dirigindo um Fusca, se era um Reitor de Faculdade, um açougueiro, um estudante, simplesmente porque o Fusca era aceito por todos sem restrições. Todos ao andar nele sentiam certo “toque de classe”.
•Camaradagem e troca de experiências: o Fusca desde o início teve o condão de aglutinar seus usuários que se entendiam só pelo fato de estarem andando de Fusca.
• Carisma: como o Dicionário Houaiss esclarece para carisma: “conjunto de habilidades e/ou poder de encantar, de seduzir, que faz com que um indivíduo desperte de imediato a aprovação e a simpatia das massas”; no nosso caso o tal indivíduo é o Fusca que é um rei do carisma em nível mundial, pois por onde passou cativou a todos e deixou um rastro de progresso e felicidade. Deixei este aspecto por último, exatamente por ser o mais citado, assim espero que os outros fatores também possam receber atenção.

Poderíamos acrescentar outros fatores como a facilidade de transformação (dando lugar a carros maravilhosos como o Lafer MP, por exemplo) e personalização, etc. Mas acho que já é o suficiente para ver que poucos carros no mundo conseguem reunir tamanha série de qualidades. Com tudo isto certamente não é difícil se apaixonar por este simpático e querido carro. Hoje as coisas já estão se tornando diferentes, pois os Fuscas já se preparam para a posição de “Clássicos” e o amor passa a ser “amor de preservação”.

BETO CRIDÊ – publicitário e idealizador da marca de miniaturas customizadas Fusca Cridê – São Paulo – SP

Alexander Gromow, eu te conheci em julho de 1987, quando fui me associar no antigo Sedan Clube. Dessa data em diante, eu digo que conheci a enciclopédia ambulante sobre VW Fusca. O Fusca é um carro, onde passa de popular no sentido de uso comum, para coleção no mesmo quarteirão. Gostaria de saber a sua opinião sobre essa distinção.

GROMOW – Caro Beto,
Puxa vida já se vão vinte e três anos? Neste tempo você se tornou referência em miniaturas customizadas e acho que isto ajuda na minha resposta à sua pergunta, pois o que você faz são itens especiais de coleção. O que se esconde nesta química toda é o mistério do colecionismo. Há algum tempo atrás escrevi uma crônica “Colecionar ou não colecionar, eis a questão” na qual falo sobre o assunto.

Mas é incrível como as coisas mudam de figura. Falando de uma coleção de objetos com a forma do Fusca, é incrível como aquela peça simples, o Fusquinha de plástico injetado, comprada numa feira, ao ser colocada na estante passa a ter um valor agregado muito grande, agora é um item da coleção e divide ombro a ombro o espaço com uma caríssima miniatura daquelas numeradas. Outro exemplo é a escolha de uma modelo, digamos a Giselle Bündchen, será que você não conhece meninas mais bonitas do que ela? Ocorre que a Giselle foi ungida pela sorte de ter sido “descoberta” e soube se afirmar na carreira.

Vamos voltar à sua pergunta, o que diferencia o Fusca de uso comum daquele que irá ser “de coleção” é o fato de aparecer um padrinho que adote o carro. Muitas vezes o carro que passa para a categoria de colecionável é aquele que estava em condições piores, ai pode ter valido algum aspecto a mais, como algum elo sentimental. Por falar nisto, você não fica com vontade de recuperar os carros abandonados que vê por ai? Pena que não dá, mas bem que a gente gostaria, não é mesmo? E assistir às cenas de carros sendo triturados para virarem sucatas para reciclagem, dá para agüentar tranqüilamente?

EDIVALDO IDALGO FERNANDES, O EDI – Presidente do Fusca Clube ABC – ABC Paulista, SP

Gromow, como se sente ao saber que o recorde de Fuscas reunidos do Guinness Book, batido em 1995, no autódromo de Interlagos, com 2.728 VWs, é responsabilidade do seu comando no seu mandato de presidente do Fusca Clube do Brasil, e que até hoje ninguém conseguiu superar essa façanha?

GROMOW – Meu caro Edivaldo Hidalgo Fernandez, aliás, EDI.
Pois é, dia primeiro de maio de 1995, Interlagos lotado de Fuscas, Encontro Nacional dos Fuscas e Homenagem a Ayrton Senna da Silva, fazia um ano de sua trágica morte. Já tínhamos um recorde e o esquema de contagem com uma empresa certificada pelo INMETRO estava armado, empresa esta que computou a quebra de nosso próprio recorde, mais uma inclusão no Livro Guinness dos Recordes em sua edição Brasileira.

Um “mar” de Fuscas em Interlagos

 Quem lê este resumo nem de longe pode imaginar o que foi necessário para tornar este evento uma realidade. Foi o trabalho de vários meses, realizado junto à VW do Brasil que participou com patrocínio. Estabelecimento de equipes de trabalho, definição das atividades, interface com a Secretaria de Esportes Turismo e Lazer da Prefeitura de São Paulo e assim por diante. Algum dia eu coloco a história deste evento no papel, acho que ele merece, pois foi memorável. Eu tirei férias para poder finalizar os preparativos, como nos eventos anteriores, e na reta final fazer a interface com a mídia; fazia isto de casa com os recursos de que dispunha. Você deve lembrar que as reuniões de organização do evento foram feitas na churrasqueira de meu prédio. Um trabalho profissional com recursos amadores, sem dúvida alguma.

Respondendo à sua pergunta eu me orgulho do trabalho que realizei, e continuo muito feliz pelo resultado, ainda tenho presentes os impactos e emoções daquele dia e acho muito bom que este recorde obtido com tantas dificuldades (e com o vento a favor da homenagem ao Senna) ainda não tenha sido quebrado. Mesmo a VW Alemã tentou organizar um evento em Berlim tendo como uma das metas estabelecer um novo recorde, mas não conseguiu. Destaco o trabalho de todos que se uniram naquela oportunidade e, sob a minha liderança, fizeram as coisas acontecerem, inclusive com o solitário vôo de um Fusca Itamar pela rampa dirigido pelo Esteves, mestre das acrobacias, que chorou de emoção ao concluir o salto.

JOSÉ AUGUSTO, O ZÉ DO FUSCA – Comerciante especializado na venda de peças e acessórios para Volkswagens antigos – Belo Horizonte, MG

Meu caro e admirado amigo Alexander, sempre que participo de encontros de carros antigos, percebo uma falha que vem desagregando e enfraquecendo estes eventos. O fato se resume à vaidade de “alguns” dirigentes, presidentes de clubes e organizadores. Na verdade, estas pessoas ficam demasiadamente envaidecidas quando são fotografadas, entrevistadas e aparecem na mídia escrita, digital e televisiva ou os seus carros têm algum lugar de destaque nas exposições ou são premiados. Eu sei que vaidade faz parte da vida, mas também sei que tudo em excesso traz algum prejuízo. Acredito eu que se houvesse esta conscientização e “união” entre os clubes e eventos, evitaria a coincidência de datas destes eventos, a divisão de grandes clubes em blocos menores, a população de admiradores e possíveis colecionadores e o intercambio de informações também aumentariam. Desta forma o antigomobilismo só sairia ganhando. O que você acha das minhas colocações? Um grande abraço do amigo José Augusto… ZEDOFUSCA.

GROMOW – Caro José Augusto, aliás, Zé do Fusca,
O aspecto que você levantou é bastante complexo e muito atual. Na verdade há uma percepção de quem está no foco de uma dada situação e outra percepção de quem observa a primeira pessoa. É parecido com a diferença entre “ser” motorista ou “estar” pedestre. Ser o foco de atenções é inerente a certos cargos de gestão, como presidente de clubes, e se as pessoas fazem por merecer não há o que se dizer contra. Por outro lado, quando aqueles que de um lado não contribuem com o seu trabalho e de outro acham que “merecem” aparecer e não aparecem se abre o flanco para confusão.
A meu ver a vaidade pelo dever cumprido com louvor é justificada, mas pode desagradar aos que não estão no foco dos holofotes e contra atacam com a inveja. Sempre existirão várias opiniões sobre uma mesma situação. Isto são características humanas de comportamento em grupo e não são exclusivas de clubes de automóveis…

O que ajuda muito é o bom clima organizacional de uma agremiação. Conheço entidades, como o Clube do Fusca de Poços de Caldas, ou o Clube do Fusca de Mogi das Cruzes, só para citar exemplos, onde o grupo é coeso, muitos participam das atividades, todos dão suporte à diretoria e o mundo ainda está em ordem. Os dirigentes têm destaque na mídia e ninguém acha ruim, pois todos pensam no clube.
A conscientização entre clubes que você cita depende, na verdade, da conscientização dos envolvidos. Uma organização é o reflexo direto de seus dirigentes, e não é muito fácil mudar esta realidade.
Eu, em meus tempos de presidente de clube, ocupei um foco destacado em todos os tipos de mídia e eu gostava muito disto, mas eu trabalhava para que as coisas acontecessem, pois com isto se abria a possibilidade da tal exposição à mídia.

Certamente este fato atrapalhava a muitos que gostariam de aparecer (talvez até se achassem com “direito” a aparecer), mas não estavam dispostos a trabalhar para justificar isto. Praticamente o único momento em que a minha exposição à mídia não foi em decorrência a uma atividade que eu tenha feito foi na volta do Fusca em 1993, mas hoje o meu desempenho naquela oportunidade está à disposição de todos na Internet, como é o caso da memorável entrevista na então TV Jovem Pan.

Mas a sua questão é mais ampla do que se pode responder neste espaço, o que se espera é que o “caldeirão de vaidades vazias” dê lugar a um clima sadio de trabalho em torno de um ideal, mas para isto todos terão que remar no mesmo sentido…

MAGNO COSTA – Publicitário, idealizador do encontro Classic Fusca, em Tiradentes – Belo Horizonte, MG

Meu caro amigo Alexander, foi com muito prazer que tive a honra de receber você na nossa querida cidade de Tiradentes, no Classic Fusca. Desde então nossa amizade se fortalece cada vez mais. Em uma de nossas conversas, você me disse que sempre recebe doações de material, livros entre outros, de todo o Brasil e até do mundo sobre o Fusca. Gostaria que você nos contasse o que você faz e tem feito para preserva a história deste carro que nós amamos tanto e se você tem interesse no futuro de expor este material rico de pesquisa? Um grande abraço e que Deus continue te iluminando sempre!

Foto de 1986 da revista Microhobby para a qual Alexander Gromow escrevia. Computador Sinclair Spectrum, dois micro drives, gravador k7, impressora de papel estreito, joy stick, e o monitor era um televisor, tudo sobre uma mesa adaptada. Assim que foi feito muito do trabalho pelo Fusca.

GROMOW – Estimado Magno,
De meu lado eu posso reiterar a alegria de ter podido participar do Classic Fusca dando uma palestra e de ter conhecido você.

Agora vamos à sua pergunta. Eu devo ter induzido você a um entendimento errado sobre o que realmente ocorre. A maioria dos livros que eu possuo foi comprada, inclusive estou esperando o livro novo que o Dr. Bernd Wiersh escreveu sobre a Kombi. As raras coisas que recebo são muito bem vindas, mas eu me lembro dos quinze anos de pesquisa para o primeiro livro. Neste tempo eu tive que aprender que entre nós há muitas pessoas que preferem jogar documentos e matériais históricos fora em vez de doar para quem pode fazer um bom uso destes tesouros. Naquela oportunidade eu promovi uma campanha de abrangência nacional, chamava “Em Busca do Fusca”. Escrevi para a imprensa de todos os estados brasileiros e tive um carinhoso eco por parte da imprensa. Até no Acre o meu release foi divulgado por um jornal local, mas o retorno foi praticamente nulo, o que confirma a indolência do brasileiro em questões de manutenção de aspectos históricos. A curiosidade é que eu trabalhava com um computador compatível com um TK-90 e lutava com dificuldades, tudo era feito por correio, ainda não havia a Internet.

Moro em apartamento e a questão de espaço é crítica, tanto que parte da minha grande coleção de miniaturas está guardada em outro lugar. Os livros estão acomodados nos espaços existentes e saem de lá quando é necessário fazer alguma pesquisa, como foi o caso do preparo da palestra lá de Tiradentes ou para este ou aquele artigo para o Portal MAXICAR. A coleção é muito grande e interessante, e os livros são em vários idiomas. Na verdade eu nunca pensei em expor este material, mesmo porque há muito pouca coisa em português.

Como eu continuo na luta pela reconstituição da trajetória do Fusca no Brasil, aproveito a deixa de sua pergunta e mantenho aberta a possibilidade de receber material histórico. Portanto quem tiver algo que possa contribuir com o meu trabalho envie para mim ao invés de pura e simplesmente descartar.

MARCO REBULI – FuscaKombimaníaco, entusiasta VW e Presidente do Kombi
Clube Curitiba – PR

Mestre Gromow, na sua busca sobre dados e registros corretos sobre nossa paixão “o Fusca”, você criou e perpetuou excelentes oportunidades para nós leitores podermos aprender muito sobre este assunto, eu considero seu nome como outro sinônimo para fusca no Brasil, sendo assim lhe pergunto: o aumento gradativo do número de clubes de Fusca pelo Brasil nestes últimos anos, na sua opinião, fortalecerá nosso país como uma potência de admiração e respeito quanto a este icônico automóvel?

GROMOW – Caro Marco,
Boa pergunta… O aumento do interesse pelo Fusca é muito importante e certamente representa a possibilidade de fortalecer o Brasil como uma potência de admiração e respeito para com este icônico automóvel.

Mas o que me deixa acabrunhado é o fato de que cada novo grupo de admiradores que se reúne para formar uma “Associação de Amigos”, um “Clube”, ou outro tipo de “Comunidade de Interesse Comum” tenha que trilhar as mesmas dificuldades que os outros já trilharam quando seria possível se partir de um pacote de informações básicas para economizar tempo e dinheiro e canalizar os esforços no que realmente interessa que é a preservação dos carros e de sua história.

A minha solução para isto seria a formação de uma Federação Brasileira de Associações e Clubes de Fusca, que ajudaria na formação de entidades interessadas no Fusca e que se tornasse um elemento com representatividade nacional no cenário Antigomobilista brasileiro e internacional. Aliás, como já ocorre, por exemplo, na Colômbia.

Se os interesses são semelhantes, se o objeto (Fusca e seus descendentes) é o mesmo há um tremendo potencial de sinergia que pode por si só representar vantagens para todos. É obvio que uma Federação que reúna centena de Clubes tem um poder de fogo muito maior do que os Clubes vistos separadamente.
Aliás, a formação de uma Federação estava em meus planos em meus tempos de presidente do Fusca Clube do Brasil há quinze anos, mas isto é assunto para outra oportunidade.

Fica ai a sugestão para organizar a situação e promover a disseminação organizada e com apoio de entidades dedicadas ao Fusca pelo Brasil, bem como colaborar com as existentes para que estas, se quiserem, passem para um estágio mais organizado.

SAMUEL CORREA BUENO – Analista de Sistemas, Fisico, dono do Fusca “Roger”
(1300/1977). É socio do Clube de Fuscas de Poços de Caldas e é cicloativista, defendendo o uso consciente dos meios de transporte – Rio Claro, SP

Caro Alexander, é sempre uma satisfação trocar idéias com você que sempre é um perfeccionista em tudo o que faz. Além de dissecar a historia do VW Fusca e da Brasília, você também tem se dedicado a contar a história da fabrica brasileira Gurgel. Em um artigo seu, você afirma que “a ANFAVEA fez uma reunião com o propósito especifico de matar a Gurgel”. Porém não encontrei mais detalhes sobre esta tal reunião. Você poderia explanar mais um pouco desta sua afirmação. Abraços à Rosinha!

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GROMOW – Caro e “ligado” Samuel,
Acho que a maioria das pessoas não conhece o meu trabalho na preservação do Gurgel refrigerado a ar e de sua história. Trabalho este iniciado como parte de uma pesquisa sobre os “derivados externos” do Fusca. Logo que me deparei com os primeiros resultados de meu trabalho vi que o assunto carecia de um trabalho mais profundo e foi o que eu acabei fazendo.

Agora sobre a sua pergunta: certamente você não encontrará dados sobre algo que foi decidido à sorrelfa, numa reunião que, ao que parece, foi a portas fechadas e obviamente sem ata de reunião ou comunicado à imprensa. Eu soube deste fato através do desabafo de um dos participantes desta reunião, falecido há alguns anos em decorrência de um infarto fulminante. Ele era executivo de uma fabricante de caminhões, isto mostra que o assunto foi tratado por todos. Na situação atual, minha fonte tendo falecido, não há como fazer um aprofundamento deste assunto.

Em tempo, quem ficou curioso em ver o trabalho de preservação do Gurgel apresento o site que é: www.gurgelbrasil.com

CLÁUDIA FLORIANO – Presidente da Confraria do Fusca – São Paulo, SP

Alexander, como expert em VW, principalmente Fuscas, poliglota, com um rol de amigos e correspondentes pelo mundo todo, qual a sua avaliação sobre a participação da mulher, no mundo, neste meio de apaixonados pelo Fusca, um ícone na história da indústria automotiva? Houve um aumento da participação feminina, efetivamente como ocorreu em outras áreas como educação e trabalho, ou elas permanecem no banco de passageiro do Fusca e só se envolvem para acompanhar seus maridos?

GROMOW – Salve Cláudia,
Sua pergunta remete ao status quo de menino brincar com carrinhos e menina com bonecas, mas será que esta situação continua a vigir? Em linhas gerais eu acho que sim tanto que as exceções marcam fortemente por sua presença, mas não estou muito certo sobre os motivos que levam a esta situação. Por falar nisto, atualmente na Alemanha se discute sobre o estabelecimento de cotas para aumentar a presença de mulheres em níveis executivos, tanto do governo como das empresas. Neste contexto foi feita um pesquisa entre mulheres profissionalmente engajadas e o resultado foi surpreendente: a maioria das pesquisadas NÃO tinha aspirações a cargos executivos, preferiam ficar onde estavam. Não sei se este estudo ajuda a esclarecer que as mulheres que vêm se destacando com uma participação mais efetiva também no Antigomobilismo possuem motivadores bastante fortes que por si só as diferenciam muito das demais. Eu tenho alguns exemplos de mulheres que se destacam no meio do Carro Antigo aqui e fora do Brasil.

Vamos começar com a Cláudia Floriano, militante do Sedan Clube do Brasil na década de 80. Juntamente com seu irmão Bob e um seleto grupo de pessoas formou o núcleo que depois foi a população da Confraria do Fusca de São Paulo da qual ela foi uma das fundadoras e continua a dirigir. Hoje a Confraria do Fusca é sinônimo de confiabilidade, bons eventos e qualidade no plantel de veículos de seus membros.

Atravessando o Oceano Atlântico chegamos à cidade de Halfway House na África do Sul onde mora a Heide-Marie Van der Au, uma ativista em tudo que se liga ao Fusca e à VW. Organiza vários eventos, tem uma empresa de criação dedicada a coisas de automóvel. Colaborou comigo na elaboração do logotipo de despedida do motor VW Boxer.

Agora vamos para a bucólica cidade mineira de São João Del Rei, onde mora mais uma mulher incrível, a Aline Sacramento, mignon no tamanho, porém gigante na energia, criatividade e vontade de trabalhar em seus excelentes eventos. Ela preside a ASVA – Associação Sanjoanense de Veículos Antigos.

Ainda de Minas Gerais, o Jeep Clube de Nova Era é dirigido por uma mulher, a Ângela Barony, que fundou e coordena com beleza, charme e determinação um clube que até pouco tempo atrás era uma praia tipicamente masculina.

Não posso esquecer-me de citar a “SFAA – Sociedade Feminina de Automóveis Antigos” de Vinhedo em São Paulo, um ativo clube fundado e gerido há 16 anos pela Edenise Carratu, hoje uma vigorosa, ativa e “charmosa Penélope – vovó”.

Mas não há dúvidas que em muitos casos as mulheres acompanham os homens em eventos “por força do ofício”, pois o Antigmobilismo não é a praia delas… Acho que estes exemplos mostram que existem expoentes do antigomobilismo de saias com um merecido destaque. O espaço existe, não acredito que existam barreiras instransponíveis para a participação vitoriosa da mulher no hobby, mas o interesse e empenho para tal é um pré-requisito, tanto para mulher, como para homens também.

REINALDO ABRAÃO – Um dos mais antigos sócios do Fusca Clube do Brasil – São Paulo, SP

Alexander, meu grande amigo,
Sei que você não é um colecionador, mas um historiador e exímio conhecedor de toda a historia deste carrinho que é no mínimo 60% da história de nossa industria automobilística. Você tem lembrança em que dia de sua vida toda essa paixão por um Fusca começou? O que significa para você, “guardar um carro” – “conservar um carro” enfim “AMAR UM FUSCA”? Quando tudo começou?

Á esquerda o Dr. Leicher e à direita o pai de Alexander Gromow. Ao fundo o primeiro Fusca em que andou sobre um precária balsa fluvial

GROMOW – Caro Abraão,
Eu não sei dizer bem onde colocar um limite para definir um começo e a coisa complicou mais ainda quando eu comecei a pensar em como responder à sua pergunta. Com o tempo parece que o “campo de varredura” de nossa mente vai se ampliando e olhe só o que acabou saindo disto tudo.

Cheguei à conclusão que o processo teve duas fases, uma subconsciente e outra consciente. A fase subconsciente começou quando eu era um menino de 8 anos e morava em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Pois é, foi em 1955 que eu andei a primeira vez num Fusca; pertencia ao Dr. Leicher que era chefe de meu pai e o melhor da história é que eu encontrei a foto deste Fusca. No sul muitos funcionários de empresas alemãs traziam Fuscas como bagagem quando eram delegados por um tempo mais longo. Depois veio o Sr. Jägers que usava a caixa que transportou o Fusca como garagem. O gostoso era que a minha irmã e eu tínhamos dois Fuscas para passear de vez em quando e onde? Obviamente no bagagito, lugar preferido por 10 entre 10 crianças. Outro marco em minha infância ocorreu em 1958 quando minha mãe trouxe um Fusca de plástico da Alemanha e que tenho até hoje! Eu sempre me perguntei o motivo daquele brinquedo ter atravessado décadas… Em meados dos anos 60 mudamos para São Paulo. Depois de ter um Chevrolet 47, meu ano de nascimento, que eu chamava de Titio (pois para mano ele estava meio depredado) veio o primeiro e único Fusca de minha vida em 1970 e que me acompanha até hoje.

Miniatura Faller em plástico. Dada a Gromow por sua mãe em 1958. Encontra-se neste estado hoje

Do subliminar as coisas foram passando para o racional. Num certo dia de 1985 em vinha descendo a Heitor Penteado com meu Fusca, quando um Fusca verde de duas janelinhas acenou para que eu parasse. Era o Gavino que me falou do evento “Passeio ao Pico do Jaraguá” que o Sedan Clube estava organizando – lindo passeio dia 10/11/1985. Acho que daí em diante você conhece a história.

Eu comecei a me interessar e estudar a história do Fusca, que é realmente intrigante e cativante. Comecei a juntar material que depois resultou no primeiro livro lançado 15 anos depois. O resto foi um pouco de sangue, suor, lágrimas e muita motivação e empenho no que faço. Alguns chamam isto de idealismo.

Cada um deve ter a sua definição do que seja “amar um Fusca” A minha tem o envolvimento de uma vida aliada a uma dedicação por muitos anos, com uma militância que ultrapassa nossas fronteiras e que não tem hora para acabar e é o que tentei resumir acima.

Organização, edição e texto introdutório: Fernando Barenco

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