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De sucata à glória: o resgate de um francês

Este Talbot DC fabricado em 1923 é o único do Brasil

RESTAURAÇÃO

De sucata à glória: o resgate de um francês

[dropcap]A[/dropcap]ssim como seu atual proprietário, ele nasceu na França. Foi em 1923. Seu nome é Talbot DC, um conversível estilo Phaeton, com 4 portas. E sua plaqueta de identificação não mente. Trata-se do exemplar número 43.140. Aos mais distraídos pode até lembrar um Fordinho Modelo A. Mas não! Trata-se do único exemplar de seu modelo em todo o Brasil e mesmo no restante do mundo restaram poucos.

Morando na França, mas com raízes no Brasil, o colecionador Benoit Carrier o comprou num pacote de cinco automóveis, todos para restauração, todos preciosos, todos valiosíssimos. Além do Talbot, um Delahaye fabricado em 1947, um Alfa Romeo 6C 2500 Conversível de 1948 e outros dois Alfa Romeos cujos modelos não foi possível determinar, pois não estavam acessíveis quando fizemos esta reportagem.

O processo de restauração

Foi adquirido em meados de 2007 de uma coleção particular de São Paulo e lá mesmo foi posto em restauração. Seu estado era deplorável e os primeiros resultados do restauro não foram os esperados. Foi então que Benoit tomou uma sábia decisão, que mudaria completamente a história da recuperação do Talbot: com residência no interior de Minas Gerais, mais precisamente na histórica cidade de Tiradentes, ele decidiu entregar o “carro-torpedo” francês aos cuidados do restaurador Eli Gonzaga, da vizinha São João Del Rei.

Missão cumprida: Eli Gonzaga (e), ao lado de seus companheiros no trabalho, Roberto Alexandre dos Santos e Alceu Resende

Trabalho de artista do metal

Em sua pequena oficina, Eli operou um verdadeiro milagre. Muitos detalhes importantes faltavam ao automóvel de quase 90 anos e as referências do modelo não são muitas hoje em dia, já que a Talbot não era exatamente uma campeã de vendagem na Europa daquela época. E tem mais: não se acha peças de uma marca já originalmente extinta em qualquer esquina do mundo! Além de um trabalho de restauração absolutamente impecável (restauração no original sentido da palavra, como se faz numa obra de arte), que incluiu suspensão, lataria, chassis, mecânica, sistema elétrico e marcenaria (já que grande parte de sua estrutura de madeira), algumas das peças de acabamento tiveram que ser fabricadas pelo próprio Gonzaga: suporte de farol e lanterna, pisadeiras, maçanetas, detalhamentos de painel. As pisadeiras, por exemplo, foram produzidas a partir de um gabarito de madeira, com o requinte de ter em relevo a logomarca. O resultado foi tão surpreendente, que Benoit sugeriu que fossem feitos dois pares extras, que foram encaminhados ao clube do Talbot da França. Apenas a tapeçaria foi feita fora da oficina-ateliê de Gonzaga, em Belo Horizonte.

O automóvel “debutou” no 13° Encontro de Automóveis Antigos de São João Del Rei, que aconteceu nos dias 12 e 13 de setembro de 2009. No detalhe, a pisadeira fabricada a partir do zero

Autodidata

Eli Gonzaga já trabalha com restauração de automóveis há mais de 40 anos. Seu método de trabalho é artesanal e usa o mínimo possível de produtos químicos.
— Não uso nenhum tipo de solvente ou mesmo jato de areia para retirar pintura velha e na preparação de chapas. É tudo raspado e lixado a seco, para manter as propriedades químicas originais da chapa. O processo é realizado com luvas, para que o suor das mãos não venha a diminuir a durabilidade da restauração. E assim como o removedor, a areia possui um acido altamente corrosivo. — ensina Eli.
E ao contrário do que acontece com a maioria dos profissionais da área, ele jamais trabalhou como aprendiz em qualquer empresa. É autodidata. Aprendeu fazendo mesmo!
— O primeiro carro que eu pintei foi um Jeep 1951 que pertencia a meu pai. Não sabia absolutamente nada a respeito do assunto. Cheguei na loja de tintas e peguntei: “o que eu preciso para pintar um carro?”. O vendedor me indicou isso, isso e isso… Pintei o carro todo com aquelas antigas bombas de “flit” (inseticida). O resultado foi bom pra danar! Aí me empolguei! Depois meu pai “financiou” maus primeiros materiais de pintura e lanternagem, que comprei em Belo Horizonte.

Na restauração do Talbot, Eli contou com a ajuda de seu auxiliar Roberto Alexandre dos Santos e do mecânico eletricista Alceu Resende. Uma equipe afinada, um resultado perfeito!

Em sentido horário: detalhe da traseira, roda de cubo rápido, motor original e interior com volante de mão inglesa
Em sentido horário: detalhe da traseira, roda de cubo rápido, motor original e interior com volante de mão inglesa

Um francês para a Inglaterra

Embora não se saiba o seu histórico, este Talbot DC foi fabricado para o mercado britânico, já que tem o volante do lado direito. Possui motor de 4 cilindros, sistema elétrico de 6 volts e rodas raiadas de cubo rápido (um único parafuso central). Seu interior é bastante espaçoso, com bancos de couro que acomodam 4 pessoas com todo conforto.

Todo o trabalho de restauração durou apenas cerca de um ano. Um prazo bastante curto se levarmos em consideração o estado inicial do automóvel e a dificuldade de se recuperar uma raridade como essa. Um automóvel admirável, que certamente irá figurar como destaque nos principais encontros de automóveis antigos do Brasil. Vamos torcer para que Benoit Carrier não resolva levar o carro de volta a seu país de origem, pois o antigomobilismo brasileiro certamente ficaria mais pobre.

[box type=”shadow” ]Breve história da Talbot

Talbot 25 HP, 1908

A marca Talbot como foi originalmente criada, desapareceu ainda nos anos 1930. Fundada na Inglaterra em 1903 com o nome de Clement Talbot LTD, seu objetivo inicial era o de exportar para a França automóveis Clement, fabricados na Inglaterra. Mas em 1905 a empresa já produzia seus próprios automóveis, tanto na França quanto na Inglaterra. Em 1913 a Talbot foi comprada pela montadora francesa Darracq, uma empresa fundada em 1896 como fabricante de bicicletas.

Na década de 1910 os carros produzidos pela Talbot já haviam se tornado famosos em toda Europa, por serem velozes e confiáveis para a época e eram muito bem sucedidos em competições. Durante a I Guerra Mundial a Talbot decidiu fabricar também ambulâncias, mas sem abandonar a produção de veículos de passeio. Nesta época sua sede já era em Paris, apesar do controle manter-se britânico.

Em 1920, Talbot e Darracq se uniram à inglesa Sunbeam e formaram a STD Motors. Mas o conglomerado era muito mal administrado, não conseguindo racionalizar seu leque de modelos, fazendo com que automóveis das três marcas competissem entre si pela mesma fatia de mercado, além de elevar os custos de produção. Além disso, não havia nenhuma normatização na produção ou a intercambialidade de peças dentre os vários modelos fabricados pelas três empresas do grupo.

Talbot-Lago T-150, 1938

O conglomerado sentiu os efeitos da grande depressão de 1929 e acabou encerrando as atividades da Talbot na França em 1933, mas a manteve na Inglaterra, produzindo a partir de então carros com a marca Sunbeam-Talbot. No entanto, o engenheiro italiano Antony Lago, nesta época um alto executivo da própria STD Motors, conseguiu financiamento e reativou a marca Talbot francesa, agora chamada de Talbot-Lago, com sede em Paris. Nesta fase, a Talbot passou a produzir carros do segmento esportivo de luxo, de design belíssimo, como o Talbot-Lago T-150 e o T14 LS.

Em 1957, novamente em plena crise financeira, a Talbot-Lago foi vendida para a Simca e a marca acabou sendo desaparacendo. Em meados dos anos 1970, o braço europeu da americana Chrysler (que havia comprado a Simca), tentou mais uma vez ressuscitar a renomada marca Talbot, mas não obteve sucesso.[/box]

Texto e fotos: Fernando Barenco

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