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Fusca embrulhado para presente, entregue com carinho…

As coisas ocorrem num certo fluxo
que é ditado pela sensibilidade de quem as conduz…”

Como toda a boa história, esta também vai começar com “era uma vez”…

Era uma vez um apartamento em Higienópolis, Avenida Higienópolis, esquina com a Rua Sabará, na Capital de São Paulo. A família que morava lá tinha como patriarca o Sr. Hélio Ferrari, titular do terceiro registro de imóveis da capital. Os pais do Sr. Hélio moravam lá também. E os filhos eram o Carlos, o filho do meio, “encaixado” entre duas irmãs sendo a mais jovem a Célia, que terá um “papel” de destaque nesta história, na acepção da palavra…

Em maio de 1971, o Sr. Hélio Ferrari já estava decidido a presentear o seu filho Carlos, que havia recém entrado no Mackenzie para fazer engenharia, com um Fusca novinho. O Sr. Hélio queria assim premiar o Carlos por ser um bom filho, prestimoso, bom aluno, correto e amável.

Poderia ser uma coisa simples tipo: o pai fala para o filho “passa lá na Mariauto, lá na Rua Maria Antônia, e busca o seu carro, já está pago…”

Mas o Senhor Hélio era uma pessoa muito especial. Muitos o achavam formal, meio sério, mas na verdade sob esta aparência se escondia uma pessoa extremamente sensível. Não fosse assim não “surgiria” todos os dias uma flor, geralmente orquídea, na mesa de sua filha Célia logo pela manhã.

Não foi diferente com a entrega do merecido carro ao filho que era um orgulho para seu pai. Com sensibilidade e criatividade foi preparada uma surpresa que, talvez, muitos sonhassem ter feito e poucos tiveram a perseverança de realmente realizar.

O Sr. Hélio convocou a filha Célia, então com 16 anos de idade, e passou a “Missão à Garcia”: —“Filha, embrulhe o carro de seu irmão para presente, com laço e tudo mais”. Meio atônita a Célia providenciou um grande lote de papel celofane e colou uma folha à outra no chão da garagem do prédio onde moravam e onde o Fusca já estava. Ninguém estava a entender nada, papel para todos os lados, uma trabalheira enorme, depois de muito colar parecia que já estava de bom tamanho. Pois bem, ai foi hora de tirar o Fusca do lugar, colocar o papel com cuidado no chão e depois “subir” com o Fusca na enorme folha de papel celofane colado. O pessoal do prédio — porteiros e faxineiros — olhava incrédulo para aquele trabalho todo. Seguiu-se o cuidadoso procedimento de embrulhar o Fusca para presente; até ai funcionou tudo bem. Mas depois veio o laço, pois um pacote de presente que se preze tem que ter belo laço, não é mesmo? E assim foi feito.

    Neste meio tempo o Sr. Hélio, exímio datilógrafo, sentou-se ante à sua máquina de escrever portátil Triumph e escreveu uma comovente carta que depois seria entregue ao Carlos junto com as chaves. Segue-se o teor desta carta:

    [box]Céu, 002 – 005 – 1.971
    (Era do Nascimento do Menino Jesus)

    Ao meu
    Amo e Senhor
    C a r l o s

    De tempos em tempos, O GRANDE GÊNIO DO BEM, meu Pai, distingue, entre seus filhos, por missões já cumpridas, com uma outra que tem por finalidade dois objetivos primordiais: primeiro – premiar aquele filho que já se salientou no exato cumprimento de todas as sua obrigações; e segundo – dar a esse filho a nova missão justamente para ter a oportunidade de recompensar um “SER” que tem qualidade e formação moral que deva ser premiado.

    Por isso, não sendo mais possível na época atual vir em forma humana, aqui estou eu transformado em automóvel para cumprir minha honrosa missão: Servir e proporcionar ao meu AMO e SENHOR, mil e uma alegrias. Em síntese: Ser um verdadeiro amigo.

    Portanto, não fique magoado se não sou do vosso agrado. A forma em si não é o essencial, porém o que é importante é o conteúdo.

    Todavia, de qualquer maneira, também sou agradável e útil.

    Sou “AZUL DIAMANTE” porque venho do Céu.

    Sou novo cheio de vida e esplendor para melhor servir ao meu AMO e SENHOR.

    Sei também que meu AMO e SENHOR tem pela frente uma longa jornada. Porém, aqui estou para ajudá-lo e incentivá-lo em todos os momentos que for necessário.

    A partir de hoje sei que receberei um novo nome, porém, não medirei esforços para mentê-lo sempre a altura do meu AMO e SENHOR.

    Certeza também tenho que sempre nós nos entenderemos e cumpriremos nossos deveres.

    Agradeço ao meu Pai por esta magnífica e desde já gloriosa missão.

    Seu novo servo
    AY – 9044[/box]

    carta

     Durante todo este tempo o Carlos estava fora de casa devido a uma artimanha do pai e da irmã que arranjaram algo para ele fazer bem longe dali.

    Quando o Carlos voltou já estava tudo pronto, carta escrita, chaves preparadas, Fusca embrulhado para presente e máquina fotográfica preparada. Naquele tempo se usava tirar slides (diapositivos) e este material surpreendentemente suportou o passar dos anos.

    A entrega do carro ocorreu com toda a pompa e circunstância que haviam sido meticulosamente idealizadas e preparadas pelo Sr. Helio e pela Célia. Quem não estava esperando tudo isto era o Carlos e não é difícil imaginar a emoção que envolveu este fantástico acontecimento familiar.

    Hoje quando a Célia e o Carlos (Calú) se encontram aquele episódio volta à lembrança como um dos fatos marcantes da família e uma lembrança amorosa que liga o saudoso pai a um Fusca especial….

    Como sempre as coisas acontecem no seu momento certo, eu tive a alegria de tomar conhecimento desta emocionante história, ricamente documentada, com a cópia carbono da carta (coisa de época). As fotos da entrega do carro feitas em slide que foram possíveis recuperar através de digitalização dos diapositivos. Além da foto do Sr. Hélio, a última foto dele em posse da família, pois ele veio a falecer muito jovem com apenas 50 anos de idade, pouco tempo depois em 1976, e este relato é feito também como uma homenagem a ele. Finalizando como a foto atual dos dois irmãos, da Célia e do Carlos. Conheci a Célia no Vernissage da Exposição de Obras de arte dedicadas a Formula 1. Acho que todos que gostam de Fusca e de suas histórias ganharam um lindo presente neste dia…

     

     

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    Alexander Gromow

    Ex-Presidente do Fusca Clube do Brasil. Autor do livro EU AMO FUSCA e compilador do livro EU AMO FUSCA II. Autor de artigos sobre o assunto publicados em boletins de clubes e na imprensa nacional e internacional. Participou do lançamento do Dia Nacional do Fusca e apresentou o projeto que motivou a aprovação do Dia Municipal do Fusca em São Paulo. Lançou o Dia Mundial do Fusca em Bad Camberg, na Alemanha. Historiador amador reconhecido a nível mundial e ativista de movimentos que visam à preservação do Fusca e de carros antigos em geral. Participou de vários programas de TV e rádio sobre o assunto. É palestrante sobre o assunto VW com ênfase para os resfriados a ar. Foi eleito “Antigomobilista do Ano de 2012” no concurso realizado pelo VI ABC Old Cars.

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