A idéia deste artigo surgiu depois de ter assistido na casa do amigo Marcus Valério Lins Barroso a um vídeo da apresentação do Vocho Última Edición, ocorrida em Puebla, no México, em 10 de julho 2003. Quando eu comentei sobre as várias vezes que a fabricação ou montagem do Fusca havia sido encerrada achamos que valia falar nas despedidas do Fusca pelo mundo. O carro foi montado e produzido em vários países e, geralmente, a sua trajetória nos vários países por onde passou começou com a importação de veículos prontos, depois totalmente desmontados (CKD, completely knocked down) e montados localmente, para finalmente, em alguns casos, serem fabricados. Entre saber das histórias e colher dados para elaborar um artigo a distância foi grande. Foram necessários muitos contatos e muito tempo passou até que o material foi finalmente reunido. Alguns dos documentos são muito raros e serão de interesse para quem segue a trajetória deste carro no mundo.
Heinrich Nordhoff, ao assumir a direção da Volkswagen em 1948, já se preocupava com a disseminação do besouro pelo mundo. Tanto que, em 1955, o Fusca já estava sendo fabricado ou montado na África do Sul, Austrália, Bélgica, Brasil, Irlanda, México e Nova Zelândia. Seguiram-se vários outros países, dentre eles o vizinho Uruguai.
Conforme Álvaro Lopez, presidente do Vocho Club da Costa Rica, o Fusca foi montado em seu país a partir de CKD’s mexicanos, entre 1971 e 1975, inicialmente pela empresa pela empresa Auto Técnica e depois pela Coopesa. Mas, uma lei que limitou a 1.200 cm³ os motores de carros populares encerrou silenciosamente a montagem de Fuscas por lá.
O Fusca chegou à África do Sul em 1951, na cidade de Uitenhague como reportou John Lemon autor do livro Classic Car Africa. Uma fábrica pertencente à South African Motor Assemblers começou a montar Fuscas juntamente com carros de outras marcas. Líder de mercado por 11 dos 28 anos de montagem e fabricação, o Fusca saiu de linha no dia 18 de janeiro de 1979 numa singela cerimônia (foto 1). Este carro está preservado no AutoPavillion, que é o museu da fábrica local (foto 2), conforme mostram as fotos enviadas por seu diretor Johan Wagner.
Na Austrália, a montagem de Fuscas foi iniciada em 1954 pela Regent Motors, de Melbourne. Em 1957 foi fundada a Volkswagen Austrália, que passou a fabricar carros em 1960. Depois de ter atingido 100% de nacionalização, a produção foi terminada em 1968, voltando a montagem. Michael Rochfort, do Volkswagen Classic and Vintage Club of Austrália, conta que a despedida de 1968 foi dramática: a produção fora encerrada na véspera do Natal de 1967 e não havia clima para uma foto, pois muitos dos operários receberam o aviso de sua demissão naquele dia.
Os poucos carros que ficaram pendentes na inspeção acabaram de ser montados em fevereiro de 1968. Os estampos de carroceria vieram para o Brasil e as máquinas que faziam componentes dos motores foram para a Malásia. Também em 1977, no fim da montagem dos CKD’s, ocorreu a mesma situação de demissão de funcionários.
No Uruguai a operação de montagem começou em 1962 pela firma Julio Cesar Lestido S.A., localizada na zona franca de Nova Palmira. Desta feita o regime era semi-desmontado (medium knocked down, MKD), com carroceria e motor já vindo montados da Alemanha e depois juntados. Em 1970 passou a CKD, operação que se estendeu até 1992. Infelizmente não foi possível achar registro fotográfico do último carro montado lá.
TRÊS CASOS DE DESTAQUE
Destaques dos classificados
Das demais despedidas do Fusca pelo mundo, os casos da Alemanha, Brasil e México merecem destaque. Na Alemanha, o Fusca foi montado em Wolfsburg, Emden, Hannover, Ingolstadt e Osnabrück. O mais emblemático local de montagem foi Wolfsburg, berço da Volkswagen e de onde o Fusca partiu para conquistar o mundo. O Fusca se despediu de Wolfsburg às 11h49 do dia 1° de julho de 1974 de maneira burocrática.
A raríssima foto deste dia foi enviada por Manfred Grieger, do Arquivo Central da Volkswagen AG.
Até aquele dia haviam sido produzidos 16.255.500 Fuscas na Alemanha. A Volkswagen considera que o último Fusca alemão foi produzido em Emden no dia 19 de janeiro de 1978 (foto 4) conforme registra uma das fotos enviada por Christine Neefe do AutoMuseum. A partir daí, só o Brasil e o México continuaram fabricando o Fusca sedã.
Alarmados com a notícia da parada de produção do Fusca na Alemanha, os amantes americanos do modelo conversível inundaram as concessionárias de pedidos. Com isso a produção na fábrica da Karmann (onde o conversível era feito), em Osnabrück, se prolongou até o dia 10 de janeiro de 1980, depois de terem sido produzidas 331.847 unidades.
Na foto enviada por Karin Schlesiger, do arquivo histórico da Karmann GmbH, pode ser visto sobre o carro um cartaz escrito à mão que diz: “Depois de 30 anos, não dá nem para acreditar, mas você quer hoje nos deixar. Já tens idade, mas ficarás eternamente em nossas lembranças”.
Com o declínio das vendas, o destino do Fusca já estava selado em 1984. Conforme a contagem da Volkswagen, o Fusca completaria 50 anos em 1985 e o presidente mundial da empresa, Carl Hahn, cujo passado na empresa estava intimamente ligado ao sucesso do Fusca nos Estados Unidos, aproveitou esta efeméride para homenagear o seu carro querido.
Foi definido que as importações de Vochos para a Europa seriam encerradas em 1985, em grande estilo. Para esta despedida foi feita uma série especial o “Jubiläums Käfer” – Fusca Jubileu (foto 6) – sendo produzidos 3.150 unidades em Puebla (foto 7). No transporte destes carros para a Alemanha uma grande tempestade atingiu o navio, danificando quase todos. Os reparos foram feitos em Hannover.
A grande festa de despedida oficial da Volkswagen para o Fusca, realizada em Wolfsburg no dia 17 de outubro, foi a única que contou com a presença de seu presidente mundial. Hahn recepcionou 500 convidados de todo o mundo (foto 8). Figuras emblemáticas participaram desta festa, como o Major Ivan Hirst, o britânico a quem se credita merecidamente o ressurgimento da fábrica dos escombros da Segunda Guerra Mundial, bem como o filho de Ferdinand Porsche, Ferry. O Jubiläums Käfer que está no AutoMuseum ostenta assinaturas destes visitantes ilustres.
No Brasil, o destino do Fusca também estava selado desde 1984. Em 1985 a Volkswagen anunciou para o ano seguinte o fim de sua produção em São Bernardo do Campo. A despedida foi marcada por um anúncio da Volkswagen veiculado em agosto daquele ano, cuja finalidade era defender a sua posição de mercado, mas o resultado foi um demérito ao carro, justamente aquele havia sido a origem do próprio Grupo Volkswagen. A comparação entre este anúncio de despedida e um da Volkswagen México e outro da Volkswagen alemã deixa clara a falta de respeito da filial brasileira da Volkswagen para o carro (fotos 9, 10 e 11). O mote da propaganda alemã, “Mach’s gut, Großer”, foi tomado para título deste artigo visto o carinho informal que ele representa.
O texto da propaganda “Mach’s gut, Großer!” diz:
Você foi pequeno – e isto não só em tuas dimensões. Pequenas contas de oficina, custos de seguro baixos, baixo consumo de gasolina. Foi grande – o amor, que nós todos demos como contrapartida desde o início. Quem te conhece como “Volkswagen Tipo 1”? Você chama Käfer (Fusca)! E como Käfer você foi montado 21.529.464 vezes. Sobre teus assentos aprendemos a dirigir e sobre teus eixos descobrimos o mundo. No dia 30 de julho você saiu pela última vez da linha de montagem. Tão triste como isto nos parece, em um ponto estamos seguros: Caso exista um paraíso para automóveis então lá existe uma vaga de estacionamento para você.
No que se imaginava ser o último Fusca brasileiro, produzido no dia 31 de outubro de 1986, houve o acompanhamento dos membros da diretoria da fábrica (foto 12). Foi produzido um lote de 850 carros “Última Série”, reservada às concessionárias, caracterizando uma despedida mais para o público interno da organização. Componentes de Fusca continuaram a ser fabricados até 1989 para alimentar a montagem de carros em Lagos, na Nigéria.
Sete anos depois, o presidente Itamar Franco decidiu implantar o carro popular no Brasil e sugeriu que o Fusca voltasse. Os planos foram pré-definidos, a quantidade de carros prevista (50 mil) foi fabricada e vendida até o final de 1996. Chegou o momento de uma segunda despedida, desta vez melancólica. Temendo nova repercussão negativa por parte do público, a fábrica cancelou toda e qualquer cerimônia de despedida. Até o livro elaborado para esta oportunidade ficou guardado por algum tempo.
Mesmo assim foram fabricados 1.500 carros da “Série Ouro” que, ao contrário dos da “Última Série”, foram colocados à venda para o público em geral. Numa cerimônia interna, para a qual eu fuiconvidado, realizada no dia 25 de junho de 1996, foram feitas alguma fotos de despedida, que não chegaram a ser divulgadas (foto 13).
É curioso observar que para a Volkswagen alemã o último Fusca brasileiro é o 1986. É como se a série do Fusca “Itamar” não tivesse existido sob o ponto de vista histórico. Tanto é assim que o Marcus Valério recebeu do Kai Egmond Clever, atual curador do AutoMuseum Volkswagen de Wolfsburg a nformação que os Fuscas Itamar “não passaram de uma série especial”. Não foi enviada nenhum Fusca Série Ouro para lá. Na frente do Última Série de 1986 está uma placa que diz: “O último Fusca produzido no Brasil”.
A sorte do Vocho deveria ter sido semelhante à do Fusca. Em 1989 foram fabricadas 33.000 unidades, mas este número quase quadruplicou em 1991. Este aumento se explica por um decreto do governo mexicano que declarou ser o Vocho o carro popular mexicano e reduziu seus impostos em 20%, o que levou o carro a ser o mais barato do mercado e a dar-lhe um novo alento.
A apresentação do Última Edición, do qual foram fabricadas 3.000 unidades, foi um festivo evento que contou com a presença de várias autoridades mexicanas e de representantes da Volkswagen AG, como Jens Neumann, membro do conselho executivo mundial. Já no dia 30 de julho de 2003 o Fusca encerrou sua brilhante trajetória mundial de uma maneira singela, acompanhado pelo pessoal de chão de fábrica e de alguns executivos (foto 14), como o presidente Reinhard Jung. A grande diferença foi o carinhoso e respeitoso tratamento que foi dada à despedida do Vocho. Emocionantes anúncios em toda a mídia ressaltaram o carro e o fato de nenhum outro carro ser capaz de ocupar o seu lugar, como a frase: “Es increíble que un auto tan pequeño deje un vacío tan grande” – É incrível que um automóvel tão pequeno deixe um vazio tão grande.
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