Colunista Convidado

Visconde

Eu e o velho Visconde no final da viagem de São Paulo a Brasília

Visconde

*Carlos Zarur

[dropcap]D[/dropcap]epois de longo tempo, volto a escrever sobre nossas paixões automobilísticas. Volto a sentir a agradável sensação de racionalizar alguns pensamentos e colocá-los no papel, sob a emoção irradiada pelo tamborilar de um velho motor.

Desta vez, vou narrar um “causo” verdadeiro, daqueles que gostamos de ouvir à beira do fogão empoleirados nas cadeiras da mesa de uma velha cozinha.

Nossa história começa a ser contada em uma cidade do interior de Minas Gerais que, para mim, tem uma importância inusitada, pois foi lá que nasceu minha companheira Elza que me acompanha há 32 anos – apesar de ainda não ter completado os 30. Sempre corajosa, aguentando o suave sacolejar dos nossos carros e compreendendo a paixão de colecionador do seu marido.

A cidade em questão se chama Visconde do Rio Branco e fica na Zona da Mata, sob a influência econômica de Juiz de Fora – o município mineiro mais carioca do mundo.
As crianças eram pequenas e a caçula nem existia ainda. Resolvemos levá-los à terra da mãe – lá ia o ano de 1984. Embarcamos na nossa Brasília branca e embarafustamos estradas adentro, rodando mais de 1000 quilômetros. Ao chegarmos minha mulher começou, com sua memória de dicionário, a discorrer sobre tudo. Lembrava de detalhes incríveis para alguém que havia saído dali ainda criança pequena – das casas e das pessoas que viviam nelas. Histórias saborosas que só as cidades do interior contam.

Em uma bela tarde de sol, andávamos explorando a nossa Rio Branco quando vislumbrei, no fundo de uma pequena indústria, acho que uma tornearia, não sei bem, um carro escondido sob a poeira. Entrei corajosamente e pedi ao proprietário para ver de perto. Era um maltratado fordinho bigode 1928 verde, com os quatro pneus furados, mal agarrados nas suas rodas raiadas de carroça. Depois de muita negociação, o velho automóvel acabou embarcado em um caminhão basculante que, por coincidência, ia para Brasília. Neste momento, começava o nosso vínculo com o Visconde, que, aliás, dura até os dias de hoje.

“famosa” placa amarela de Visconde do Rio Branco

Desembarcamos o carro e começamos a trabalhar para girar seu motor. Quem conhece um fordinho sabe que não nega fogo, mesmo depois de longo abandono. Logo meu carro funcionava, não vou dizer que como um relógio, pois ainda falhava e chiava reclamando. Andávamos, na maioria das vezes, com poucos cilindros.

As coisas iam caminhando assim, quando recebi um telefonema do colecionador e professor de antigomobilismo, José Roberto Nasser, me convidando para participar da Primeira Viagem de Fordinho de São Paulo a Brasília. Lá se foi o Visconde, entre Modelos A da mais alta estirpe. O do Nasser, o do Bettiol e mais um, não me lembro bem de quem. A aventura ia começar.

Passei três dias em oficinas paulistas melhorando o motor. Troquei as rodas e, em uma enevoada manhã, alinhamos com mais de 50 Fordinhos rumo a Brasília. O Visconde foi aos trancos e barrancos, eu nem tirava mais o macacão – está tudo filmado. Era uma graxa só! A bordo, além deste contador de casos, meu filho Fernando, ainda garoto, e o amigo Roberto Costa.

No final de quatro dias, quando cheguei com atraso de cerca de 3 horas à churrascaria na entrada de Brasília, todos já comiam a sobremesa. Fomos aplaudidos de pé e, neste momento de glória, nossos companheiros de viagem batizaram, o meu velho e combalido fordinho, com o simbólico nome de Visconde, pois tinha placas amarelas de Visconde do Rio Branco, sua cidade de origem. Até hoje ele ostenta as mesmas placas, o que, quase sempre, me causa constrangimento com alguns insensíveis agentes da lei.

A história não para aí. Mesmo tentando adequá-la ao espaço deste site, fica difícil não me estender mais um pouco. Pois sendo assim continuo: resolvi reformar seu motor. Levei-o para a oficina do Tião, em Sobradinho, onde todos os sábados, depois da loja fechada, trabalhávamos sob a batuta do velho mecânico. Enquanto eu esmerilhava as válvulas, ele se dedicava aos intrincados segredos do motor. Até hoje, já faz 25 anos, o Visconde, sem desafinar, roda com o motor feito pelo mestre Tião.

Quando fui morar nos Estados Unidos, em 1990, simplesmente encaixotei nosso herói na garagem da chácara. Lá ele ficou por três anos, com os cilindros cheios de óleo. Quando voltei, não tive dificuldade em colocá-lo para funcionar. Agora, ele é azul, com uma garbosa capota bege. Passou por uma fina reforma e ficou até um pouco dândi demais para o meu gosto.

O importante é que, quando tenho tempo, ando com ele para tudo que é canto. Do lado, um escudo atesta que participou da Primeira Viagem de Fordinho de São Paulo a Brasília e, atrás, a velha placa lembra Visconde do Rio Branco.

Eu e o velho Visconde nos dias de hoje

 

[box type=”shadow” ]*Carlos Zarur é jornalista e sócio do Veteran Car Clube de Brasília Visite seu web site: www.carloszarur.com.br[/box]

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