Colunista Convidado

WT-8123

O LS 80 da família, em uma das poucas fotos em que ele foi registrado.

WT-8123

*André Grigorevski

[dropcap]A[/dropcap] frase sempre é usada para definir o futebol, mas pra nós que amamos carros (mesmo os que também amam futebol), podemos adaptar: carro é a coisa menos importante entre as mais importantes. Carros nos levam e trazem, e apenas isso, se formos analisar o seu objetivo principal. Mas por algum motivo acabamos nos apegando muito a alguns deles. Os motivos são inúmeros e não cabe a mim enumerá-los aqui. Todos que acessam a Home-Page do Passat sabem muito bem como isso pode acontecer, cada um tem a sua história e um motivo pra ter se apegado a um Passat (ou outro modelo). E quando isso acontece, não é apenas o levar e o trazer que importam.

No meu caso, a história começa em algum momento do início dos anos 80. Eu era pequeno demais pra lembrar em que ano foi, talvez em 1983 ou 1984, pois calculo que eu tinha uns 4 ou 5 anos de idade. Mas lembro bem que meu pai tinha um Chevette bege (1976 ou 1977, por aí) e um belo dia foi me buscar no colégio, de carro. O colégio ficava na minha rua mesmo, a 200 metros de casa. Não havia a menor necessidade de me buscar de carro e nem era o costume. Ao sair pelo portão, ele me esperava na frente em um belo Passat verde. Apesar de pequeno, eu já conhecia todos, ou quase todos, os carros daquela época e reconheci o Passat. E no lugar de andar apenas aqueles 200 metros que nos separavam de casa, meu pai me levou pra dar uma volta pela orla e curtir o novo carro. Foi, assim, o primeiro passeio que me lembro dentro de um Passat.

O meu novo Passat verde Pampa 1980

A paixão pelo Passat ficou. Em 1996, por conta dessa paixão e daquele LS 80, juntei umas revistas velhas, um punhadinho de informações imprecisas e superficiais e criei a Home-Page do Passat. O tempo passou, a paixão só aumentou, aos poucos vieram os meus Passat, os amigos com a mesma paixão, as viagens para eventos, o Passat Clube-RJ… Tudo em relação a Passat se consolidou. Mas faltava alguma coisa: sempre que eu via um Passat igual ao que meu pai teve, vinham as lembranças daquela época e a vontade de ter um igual. Enfim, aconteceu. Depois de muita conversa com um grande amigo (que não sabe que estou fazendo este texto, portanto não vou citá-lo aqui por enquanto sem que ele saiba e concorde), a quem terá sempre minha gratidão por isso, fizemos uma loucura: fiquei com o LS 80 dele e ele com meu LSE 87. Pouquíssimos motivos me convenceriam a me desfazer do meu LSE, o maior companheiro de viagens que tive. E um desses motivos apareceu. A tristeza de vê-lo ficar em outra garagem foi superada pela chegada do Passat que eu sempre quis e também pela certeza de que ele ficou em ótimas mãos (provavelmente melhores que as minhas próprias mãos).Aquele Passat era um LS 1980 3 portas, Verde Pampa (só fui aprender o nome dessa cor muitos, mas muitos anos depois), placas da cidade do Rio de Janeiro, WT-8123. Foi logo equipado com um toca-fitas abaixo do revestimento central do painel e, pelo que lembro, nada mais. O carro não era muito usado no dia a dia, pois não havia muita necessidade. Mas em qualquer final de semana prolongado ou férias, a família toda embarcava no Passat com destino a algum lugar. Foram incontáveis viagens a Minas Gerais para visitar meus avós, algumas ao norte do RJ, uma para o Espírito Santo durante 1 mês conhecendo as praias do estado, outra também de semanas em direção ao sul do país, onde conheci Curitiba, Porto Alegre, Gramado, Foz do Iguaçu, entre outras cidades. Foi este Passat que trouxe, no banco traseiro rebatido, minha Caloicross AeroFree e a Caloi Ceci da minha irmã da loja, foi ele que nos levou de repente em uma triste viagem no meio de uma semana a Minas Gerais quando meu avô faleceu, foi nele que saímos várias vezes pra ir a praia e pescar, foi nele que fiquei sentado horas conhecendo um carro, lendo o manual, limpando, lavando, etc. Foi este carro que serviu muito bem a família até o finalzinho de 1989. Naquele ano o Passat Verde Pampa começou a apresentar sinais de ferrugem e foi colocado numa reforma completa, pintura novinha, ficou um espetáculo. Porém, poucos meses depois, meu pai estacionou em nossa rua e no dia seguinte não encontrou mais o carro onde havia deixado. Mesmo tendo seguro, ele ainda foi com um amigo a vários desmanches da Baixada Fluminense e outras cidades próximas, em busca daquele LS. Nunca mais tivemos notícias. Depois dele veio um Del Rey (seguido de outro), outros carros… Mas sempre ficou a lembrança. Anos mais tarde, com uns 15 anos de idade, um amigo me ofereceu seu carro pra dirigir pela primeira vez. Por obra do destino, era um LS 80 Verde Pampa.

Depois de muitos, meu pai voltou a dirigir um Passat

Este Passat é praticamente igual ao do meu pai: mesmo ano, mesma cor, 3 portas… Foi produzido cerca de 30.000 Passat após o nosso ex-Passat (sim, ainda guardo o documento dele). Com o carro finalmente em casa, meu próximo passo era mostrá-lo ao meu pai. Nunca fui bom em surpresas e, apesar de ocasionalmente meu pai lembrar do Passat dele quando conversa comigo sobre carros, confesso que tinha um grande receio de mostrar o novo Passat e ele não dar a menor importância. Afinal, já se passaram praticamente 25 anos. Mas eu não podia deixar de mostrar o carro e na quarta-feira de cinzas, logo de manhã, liguei pra minha mãe (que já havia sido devidamente informada do assunto e ajudou a manter o segredo) e pedi que ela avisasse ao meu pai que eu havia trocado o LSE e queria levá-lo pra dar uma volta no novo carro, sem dizer qual era. Consegui uma vaga exatamente em frente ao prédio deles e saí do carro pra esperar. Vi quando a porta do elevador se abriu e meu pai saiu. Ele deu alguns passos, olhou pra rua, sorriu e gritou de longe em tom de brincadeira “Ei! Esse é o meu Passat! Onde você achou ele?”. Na hora veio o alívio imediato pela reação dele… Ele saiu do prédio e começou a andar ao redor do carro, sorrindo. Perguntou se era o mesmo ano do dele, entre outras coisas. Abriu a porta do motorista, sentou no banco e se acomodou. Perguntei se a gente daria uma volta, achando que ele ia querer ficar no banco do passageiro e na mesma hora ele respondeu“Vamos ver se eu ainda sei dirigir um Passat”, enquanto fechava o cinto. Eu não poderia ter ouvido resposta melhor.

E lá fomos nós, passeando pelas ruas do bairro… No trajeto, ele começou a falar das viagens, dos anos em que ficou com o carro, do roubo do mesmo em nossa rua. Lembranças de muito tempo atrás. Depois de alguns minutos voltamos ao prédio e ele saiu todo satisfeito, me dando os parabéns pelo carro. Os amigos que já sabiam o que aconteceria naquela manhã esperavam as notícias sobre a reação dele e sei que muitos se emocionaram. Mais tarde, soube que ele se segurou na hora, mas também se emocionou quando voltou pra casa. Depois ele agradeceu por eu ter proporcionado a ele essas lembranças de novo.

Meu pai não precisa me agradecer por nada. Eu é que estou agradecido por ter tido a chance de proporcionar isso a ele.

[box type=”shadow” ]*André Grigorevski é microbiologista, nascido em Niterói e presidente do Passat Clube – RJ. Em 1996 criou o site “Home-Page do Passat”, que mantém até os dias de hoje com o objetivo de preservar a história do modelo no Brasil.[/box]

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