A busca da autenticidade
*Paulo Afonso Trevisan
Na minha trajetória, passei há uns 25 anos a adquirir alguns carros (Gordini e Interlagos) por lembranças da juventude. Em 1996 passei a colecionar com intensidade apenas carros de competição e tudo aquilo que dizia respeito a sua evolução no Brasil.
O ambiente de corridas sempre esteve presente na minha vida, desde garoto. Até pilotei em várias categorias e sempre pelo prazer. A cidade de Passo Fundo no norte do Rio Grande do Sul, manteve e continua com um fortíssimo vínculo com as competições e isto de certa forma consubstanciou minha preferência. A partir daquele ano de 1996, ao organizar um grande evento e reunir um expressivo número de antigos pilotos de carretera, me emocionei e conclui que esse seria o espaço onde eu iria me especializar. Como restara muito pouco no país, isso exigiu um trabalho imenso. Muitas idas e vindas ao centro do país tentando localizar e resgatar o que havia sobrado das décadas anteriores, e até sendo rotulado de maluco ou de otário ao comprar tantas sucatas e carros obsoletos que a ninguém interessavam.
Em 1996 passei a colecionar com intensidade apenas carros de competição e tudo aquilo que dizia respeito a sua evolução no Brasil.
Claro que nessa decisão influiu o meu contínuo acompanhamento do que vinha acontecendo na Europa e USA, onde ocorria um vertiginoso interesse e valorização desse tipo de veículo; o que continua acontecendo. Confirmou-se desde o inicio que nunca prevaleceu, com raríssimas exceções, qualquer tipo de preocupação de pilotos e equipes em preservar seus carros e equipamentos; e o que restara se achava em péssimas condições. Avançando celeremente numa coleção que eu passara a denominar “Trevisan Racing Collection”, a mesma ultrapassava a 50 unidades quando decidi pela criação do Museu do Automobilismo Brasileiro. Condicionei por várias razões que o mesmo seria voltado apenas ao automobilismo interno e que os carros deveriam sempre atingir suas condições de pista originais e testadas em autódromos. Não poderia ser diferente já que o acervo passara a concentrar mais de 70% do que restara no país.
Deparando-me com o fato de muitos carros importantes terem sido desmantelados e desaparecidos; ou terem restado apenas alguns componentes, até deu vontade de reproduzi-los. Neste ponto e nessas ocasiões, começava a indagação e o questionamento de fazer ou não RÉPLICAS. Abriríamos mão da autenticidade para alguns casos ou elos importantes? Executar uma “Reproduction” ou“Recreation” como está se denominando a nível internacional? Ou mais recentemente dependendo do caso, usar a nova expressão“Evocazione” criada pela Coys? Haveria que se fazer um jogo de palavras (se possível estrangeiras) para não ter que usar a pejorativa expressão “Réplica” aqui no Brasil? Questionamentos relevantes para nós.
Destaques dos classificados
Na última visita ao Museu do Fangio em Balcarce, Argentina, em 2004, examinando a composição de 67 carros do acervo, deparei-me com a descrição detalhada numa publicação oficial de cada carro, e com o fato de 17 serem réplicas, 5 reconstruction e 4 maquetes, sendo uma destas“Maquetas” a própria Mercedes Benz W196 que é o símbolo do Museu. Acho que isto é seriedade, porque identifica a origem e o nível de autenticidade. Esta questão que se levanta, atinge claro e principalmente o esportivo e o carro de competição. Até porque ninguém aqui no Brasil iria conseguir fazer uma réplica perfeita de um Cadillac, ou se conseguissem a que custo? Poderiam forçar um upgrade de um Simca Emisul virar GTX e ou converter um Opala simples num SS. Mas isto, acreditem, é um problema de outra dimensão.
A simples assinatura ou autógrafo de um piloto importante num carro que lhe homenageia não significa atestado de autenticidade, mas apenas um gesto de carinho e entusiasmo pela referência.
A situação aqui levantada atinge notadamente o segmento onde estou inserido, porque cada carro de corrida de importância tem sua própria história, e com freqüência ela é que estabelece sua relevância. É inerente uma relação forte entre homem e máquina, seus pilotos, mecânicos, preparadores, chefes de equipe, etc. A simples assinatura ou autógrafo de um piloto importante num carro que lhe homenageia não significa atestado de autenticidade, mas apenas um gesto de carinho e entusiasmo pela referência. Um carro de corrida deixa marcas internas e externas perceptíveis; e algumas características mecânicas de fácil reconhecimento por quem é do meio.
Enfim, este problema já existe por aqui e só tende a acentuar-se. Afinal cada um faz o que quer ou curte. Até posso ter simpatia e admiração por uma réplica bem feita, mas a maioria que tem surgido peca pela má qualidade, e o que é pior, tentando às vezes impingir que tem história. Também chega a ser cômico tentar estabelecer a um carro de trajetória medíocre uma versão monumental.
Voltando ao caso específico do Museu do Automobilismo Brasileiro, ele até precisaria de 3 ou 4 “réplicas” para atender e preencher uma evolução histórica e específica de carros nas categorias da Stock Car e Turismo por exemplo. Mas confesso que isso tem sido postergado, até porque existe a convicção de que, se saírem, deverão ser bem feitas e identificar-se como tal. Ao desenvolver artesanal e exclusivamente alguns veículos com carroceria de alumínio com o genial e vigoroso Toni Bianco, uma Barchetta e uma Berlinetta de inspiração italiana, passamos a denominá-las “carrozzeria Biotto” e nunca se teve a menor pretensão de esconder suas características e origem. Aliás, pelo contrário, tudo que tem a mão do Toni é obra de arte pura e orgulho de ser apresentado com essa grife. Para que inventar e fantasiar uma origem além dos seus próprios limites? Estabelecer critérios, enquadramento e racionalidade nesses projetos,isso sim é fundamental. O máximo de engano que se poderia cometer no caso citado seria um investimento oneroso ou sem perspectiva de recuperação, mas se o objetivo é o prazer e desafio pessoal, porque esconder? Estar atento a uma tendência internacional , não ter pretensões de busca de autenticidade FIVA, e não infringir direitos de marca e produção, são quesitos obrigatórios. Já o sonho estabelece o limite e o eventual julgamento e prejuízo.
Se as réplicas deverão ter presença crescente no futuro, que as mesmas se caracterizem e identifiquem como tal. E se essa tendência for marcante e com menos pudores, que seja criteriosa. Como disse um expert europeu e isso serve para todos nós:“Assuma que é uma réplica e pronto!”; isso será muito melhor e digno que um “falso”.
VISITE O WEB SITE DO MUSEU DO AUTOMOBILISMO BRASILEIRO
www.museudoautomobilismo.com.br
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*Paulo Afonso Trevisan, economista, é tradicional empresário da construção civil. Acompanha o automobilismo desde os anos 60, e convive com automóveis e dirige desde os 11 anos. Pioneiro do kart em Passo Fundo em 1971, fundador do Veteran Car Club da cidade e ex-presidente dessas entidades, inclusive do KCPF nos dois anos anteriores. Ex-piloto por vários anos nas categorias de terra, turismo, Fórmula Ford e eventualmente da Classic. Proprietário do Museu do Automobilismo Brasileiro com 81 carros de corrida, e amplo conhecedor do automobilismo histórico nacional e internacional. Com determinação e profundo conhecimento de mecânica, participa e desenvolve diretamente com sua equipe de mecânicos a restauração e recuperação dos carros, dessa coleção única no país. [/box]
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