“Devemos entender que somos apenas ‘fiéis depositários’ de parte de um acervo que pertence às gerações futuras!”
[dropcap]Q[/dropcap]uando se conversa com um “miureiro”, é nítida a satisfação e o orgulho ao falar do objeto de sua paixão: o Miura, um esportivo brasileiro lançado em meados dos anos 1970 e que sempre andou à frente de seu tempo. E para abrir as nossas entrevistas em 2010, converso justamente com cacique da “tribo dos miureiros” cariocas, um professor de Administração de Empresas do Colégio Santo Inácio, FAETEC e da Escola Superior Candido Mendes.
Casado e pai de Frederico e Bernardo — 2 jovens que já trazem no sangue a ferrugem do antigomobilismo, e que sempre estão presentes ao lado do pai em suas viagens. Ele nos conta em detalhes a história do clube e de seus carros. Seja muito bem vindo amigo Sandro Zgur, presidente do Miura Clube do Rio de Janeiro para este saudável bate papo.
Em primeiro lugar, vamos conhecer esse esportivo que chegou e mexeu com o sonho de muitos jovens: o famoso Miura. Fale sobre a importância desse fora-de-série nacional.
Sandro – Quando foi lançado no Salão do Automóvel em 1976, o Miura causou um grande impacto pelo seu design ousado e pelo acabamento interno de primeira, além de contar com regulagem elétrica do volante (hoje muitos carros não tem) e faróis escamoteáveis. Na década de 80 os automóveis Miura destacaram-se pelo crescente nível de sofisticação e tecnologia embarcada. Nessa época já contava com abertura da porta por controle remoto, computador de bordo com sintetizador de voz, frigobar, bancos elétricos e outros requintes que faziam esta marca ser uma das mais desejadas do país. Em 1986, por exemplo, eram vendidos mais Miuras que Alfa Romeo, o carro de série mais caro da época. Era o objeto de desejo de empresários, artistas e esportistas em tempos de restrição aos carros importados. Mas a evolução não parou por aí, o Miura foi pioneiro no uso do freio ABS, incorporou piloto automático, retrovisor fotocrômico, amortecedores eletrônicos e o discutido neon nos parachoques que são extremamente eficientes para a visualização do carro em condições de neblina. Enfim, foram 16 anos de evolução resultando em 11 modelos (básicos, fora as variações) oferecendo ao mercado brasileiro (e externo também) o que se tinha de mais avançado na época.
Como surgiu o movimento miureiro do Brasil e consequentemente o Clube do Miura do Rio de Janeiro. Como foi a sua trajetória até chegar a presidência do clube?
Sandro – O movimento miureiro começou em São Paulo com o Miura Clube Brasil, fundado oficialmente em 2003, presidido pelo Sr. Amaral. Com o advento do site do Miura Clube Brasil, administrado pelo amigo Dorivaldo Cavalcante, começou a agregar os miureiros de todos os cantos do país e do exterior. Em seguida surgiu o Miura Clube do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, do Paraná, de Santa Catarina e do Ceará e espero que brevemente tenhamos todos os estados da federação com representantes do Miura Clube. Acredito que minha trajetória vem de berço (rs), pois sempre gostei e pesquisei sobre automóveis antigos, ou seja, isso sempre fez parte da minha vida. Acredito que tenha sido eleito presidente do clube do Miura carioca pelo trabalho que tenho feito em prol da preservação dos automóveis Miura e pela divulgação da cultura antigomobilista.
Nos encontros ouvimos muitas histórias do quanto significa determinado modelo de carro para uma pessoa, das lembranças de infância e de muitas outras recordações. De onde vem sua paixão pelos carros antigos?
Quando vi, reconheci o carro e sabia que o modelo “Combi” é raro até mesmo na Alemanha. Decidi que tinha que “salvar” este Borgward.
Destaques dos classificados
Sandro – Sempre gostei de carros, quando criança eu lia o nome e o ano escrito na parte de baixo das minhas miniaturas “Matchbox”, “Rei”, etc. e ia procurar nos livros de automóveis informações sobre o modelo. Em relação ao Miura, a paixão surgiu nesta mesma época. Lembro-me como hoje que no ano de 1980, ao voltar caminhando da escola para casa, passou lentamente ao meu lado um carro verde musgo com design futurista, frente em forma de cunha, com vidro traseiro curvo, diferente de tudo que havia na rua… Era um Miura Sport 1979! Uma experiência inesquecível.
Sabemos que você possui, além do Miura, o único exemplar restaurado do Brasil do Borgward Isabella Combi 1958. Como este automóvel tão diferente apareceu na vida deste “miureiro”. Fale um pouco sobre ele.
Sandro – Um dia meu compadre me levou para ver um carro que estava parado há alguns anos em uma garagem de uma casa vizinha à dele. Quando vi, reconheci o carro e sabia que o modelo “Combi” é raro até mesmo na Alemanha. Isto porque na época esse modelo era mais utilizado como utilitário do que como carro de passeio, por isso poucos restaram completos. Decidi que tinha que “salvar” este Borgward. Depois de um ano para conseguir comprar e dois anos de restauração consegui cumprir meu objetivo, assim como eu fiz com o Miura Targa 86 e estou fazendo agora com um Miura Top Sport i.e. 1991.
Placa Preta. O assunto mais polêmico no meio antigomobilístico. Gostaría de ouvir as suas considerações sobre o assunto. O Miura adquiriu este direito a partir de 2007. Já existem muitos Miuras com placa preta no Brasil?
Sandro – Vejo, como presidente do Miura Clube RJ, que o certificado de originalidade é um documento que tem como seu principal objetivo garantir a preservação histórica do veículo. Quando falamos de um veículo placa-preta devemos pensar em termos culturais, devemos entender que somos apenas “fiéis depositários” de parte de um acervo que pertence às gerações futuras, isso é algo muito maior que o enaltecimento do ego do proprietário e do aumento do valor comercial do veículo que muitos pretendem ter com a placa-preta.
Até a presente data, não tenho conhecimento de nenhum Miura com placa-preta (quem souber de um me avisa, ok?), mas é uma das maiores preocupações do nosso clube. O Miura tinha como características a constante evolução, estética e mecânica, e também o atendimento de “pedidos especiais dos compradores”. Nosso trabalho é definir os padrões de cada modelo/ano, as possibilidades de acessórios, acabamentos, etc. dentro de cada modelo/ano e aceitar como original os pedidos exclusivos somente através de documentação (nota fiscal, fotos de época, etc.) ou declaração dos fabricantes que tal modificação existiu. Esse tipo de cuidado é muito importante, pois é grande a possibilidade de automóveis descaracterizados de pessoas mal intencionadas receberem a certificação de originalidade alegando que se trata de “pedido especial” do primeiro proprietário.
Em julho de 2009, no II Encontro Nacional no Rio de Janeiro, começamos a elaborar o “Manual de avaliação de originalidade dos veículos da marca Miura” que será enviado no futuro para todos os clubes do Brasil para facilitar a avaliação dos modelos e evitar que Miuras descaracterizados recebam a placa-preta.
Conforme noticiado, o Detran esta prometendo fazer teste de gases poluentes nos carros antigos. Uma grande preocupação para os nossos velhinhos. Gostaria ouvir os seus comentários sobre este assunto.
Sandro – Teste de gases poluentes??? Aqui no Rio de janeiro todas as vezes que fui fazer vistoria a máquina não funcionava. Deve ter sido azar meu (ou sorte, rs).
Agora falando sério, não consigo imaginar qual é o impacto ambiental causado pelos carros antigos (não velhos) visto que a maioria roda pouco. Sendo assim estes carros deveriam ser isentos do teste de gases poluentes. Neste caso o que definiria legalmente junto ao DETRAN o que é um carro antigo seria a placa-preta.
A cada ano multiplicam-se os eventos e o número de colecionadores aumenta. A que você atribui todo esse crescimento?
o prazer de participar dos eventos e viajar de carro antigo com a família é algo indescritível. Recomendo a todos.
Sandro – Atribuo a dois fatores: O primeiro, a valorização do automóvel nacional como peça de coleção. A cada dia dá-se importância cada vez maior ao automóvel produzido no Brasil, não só pelas grandes montadoras, mas também aos fora-de-série como os Miuras. Isso é muito bom pois democratiza a atividade deixando para trás a imagem de hobby de milionário.
O segundo fator, ao meu ver, é a internet como ferramenta de informação ao aficcionado. Hoje, é muito mais fácil encontrar peças e informações sobre qualquer veículo, nacional ou importado, fóruns de discussão, dicas de restauração etc. Esse site é um ótimo exemplo disso.
Percebemos nos encontros que além do carro, figura principal, a família tem um lugar de grande importância. Pais, filhos e esposas, todos envolvidos e contaminados por essa ferrugem. Qual a sua explicação para esse envolvimento tão saudável?
Sandro – É verdade Fátima, o antigomobilismo é uma atividade sócio-cultural muito rica e salutar. Apesar de gostar de automóveis antigos desde garoto, foi justamente a possibilidade de compartilhar essa atividade em família que me levou a restaurar meu primeiro carro. Foi uma boa decisão, o prazer de participar dos eventos e viajar de carro antigo com a família é algo indescritível. Recomendo a todos.
No mês de novembro os “miureiros” realizaram o III Encontro Nacional de Miuras, que aconteceu em Imbituba-SC. Qual a sua avaliação sobre este grande evento? Novidades para 2010?
Sandro – Os encontros nacionais têm como objetivo reunir os amigos espalhados pelo país, que durante o ano se comunicam através de e-mail e telefone, em uma grande festa, além de discutirmos assuntos pertinenentes ao desenvolvimento marca no cenário antigomobista. Este encontro de Imbituba teve como marco a fundação do Miura Clube de Santa Catarina, presidido por Ary Barreiros, tendo como diretores Paulo Ricardo Marcadella e Paulo Siqueira. Em 2010, o encontro nacional será em Curitiba- PR, e pretendemos que este encontro seja simbolizado pelo fechamento do “Manual de avaliação de originalidade do Miura Sport 77-85” que foi iniciado no Rio de Janeiro. Além disso este ano será lançado na internet o Portal do Miura Clube que agregará todas as informações sobre a marca e eventos de cada clube em um só lugar.
Nossa entrevista está chegando ao fim e deixamos aqui com a palavra o presidente Sandro Zgur, para que deixe uma mensagem aos antigomobilistas que prestigiam o Portal Maxicar e agradeço por podermos mostrar a cada mês um pouco mais sobre cada clube pelo Brasil.
Ao meu ver, a troca de informações e o congraçamento com os clubes de outras marcas e multimarcas só enriquecerá o conhecimento técnico sobre nossos carros
Sandro – Sou miureiro e antigomobilista, penso que um clube de marca ou modelo específico não pode ficar estanque dentro do seu pequeno mundo, principalmente os clubes de carros nacionais fora-de-série, que utilizam diversos componentes de outros veículos e até mesmo têm seu design inspirado em outros tantos modelos. Ao meu ver, a troca de informações e o congraçamento com os clubes de outras marcas e multimarcas só enriquecerá o conhecimento técnico sobre nossos carros e aumentará ainda mais nosso circulo de amizade. Eu mesmo já sofri duras críticas por ser presidente de clube de Miura e participar de eventos, também, com o Borgward Isabella.
Na minha opinião, o verdadeiro antigomobilista é aquele que tem, acima de tudo, respeito pelo próximo, não importando a marca, modelo, origem, ano e cotação do automóvel antigo. Afinal, “o todo é maior que a soma das partes” (Max Wertheimer).
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