Você já conversou com seu auto antigo?
*Marco Rebuli
Você já se pegou falando com seu carro antigo?
[dropcap]S[/dropcap]eja sincero! Quando após algumas semanas você vai até seu auto antigo, em sua garagem protegido pela capa, toca-o e pergunta:— E ai meu velho, como esta você?
Remove cuidadosamente a capa, sente o leve cheiro de poeira que nela esta, dobra-a e a coloca no armário ao lado e diz:
— Oi amigão!
Da uma volta em torno dele, verifica como estão os pneus, se há manchas de óleo ou fluído de freio na cerâmica da garagem, com cuidado abre sua porta, entra, fecha a porta, sente aquele cheiro que só carro antigo tem, cheiro de tempo parado, de lembranças ou de histórias, imagina cada peça adquirida para que ele esteja sempre em dia e bem cuidado.
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Puxa o afogador com o cuidado de uma cirurgião, coloca cuidadosamente a chave na partida, já um pouco gasta de tantas e tantas partidas já realizadas, de uma época que era o carro da família ou de alguma outra família. Vira a chave, as luzes do painel ascendem com aquele tom de levemente desbotado, um tom da época do preto e branco que já passou, mas que ainda resiste ali com seu amigo. Girando a chave um pouco mais, se escuta o motor de arranque. Sim, aquele que já passou por uma revisão e agora esta novo, virando o motor que entra em funcionamento com uma rotação tão baixa que acaba desligando.
— Vamos lá amigão, fala ai comigo!
Retorna a chave à posição inicial, algumas bombadas no pedal do acelerador, nova virada de chave, o motor reinicia seu funcionamento. O ar é tomado pelo cheiro de fumaça e um pouco de gasolina. Sim, ele esta novamente em funcionamento e começa a estabilizar, ficando com aquele som harmonioso que só o proprietário e entusiasta de veículos antigos sabe apreciar. Após o motor esquentar, o afogador retorna a posição inicial. Algumas aceleradas de leve fazem seu amigo roncar, um ronco de satisfação de estar novamente na ativa.
— Esse é o meu garoto!
Dentro do seu carro, sua cápsula do tempo, o mundo para, você se perde em seus pensamentos, observa o infinito contido dentro do espaço limitado do interior do seu carro. Liga o rádio e o dial apresenta aquela iluminação fraca, característica dos rádios de outrora. Sintoniza alguma música em AM (com seu chiado característico) bem baixinha, lhe vem à memória pensamentos em formas de lembranças, de seu pai, de seu avô, de uma época onde seu veículo reinava absoluto com os demais daquele ano. Olha pelo retrovisor, vê a porta da garagem aberta. O sol ilumina um pequeno trecho de quintal, entre você e seu carro antigo e o portão que dá acesso à rua, e pensa: “uma voltinha para carregar a bateria”.
— E ai? Vamos dar uma voltinha, amigo?
Automaticamente sua mão encontra a haste do câmbio — que fica no volante ou no chão —, a marcha ré e engatada, o “clic” do freio de mão característico libera o seu veículo da inércia, seu pé carinhosamente acelera o pedal do acelerador. O ronco fica mais encorpado, e seu amigo começa vagarosamente a deixar sua garagem. A claridade aumenta, revelando mais uma vez aquele interior e a cada vez se sente mais confortável, sendo simples ou luxuoso, não importa. O que importa é que a sensação é ótima!
— Vamos lá, garotão?
Você e seu veículo antigo agora estão livres, descem cuidadosamente o desnível da calçada e do asfalto, mais uma vez aquele volante enorme lhe ajuda a fazer uma curva à ré com suavidade. Quem passa pelo local, abre um sorriso ao ver seu carro. Sua sensação de felicidade e multiplicada e dividida com os observadores.
A 1ª marcha é engatada de forma harmoniosa e cuidadosa. Sua mão automaticamente aplica as demais marcas, mas a velocidade não é de viagem e sim de passeio, de desfile, um desfile particular que agora tem as atenções do veículos modernos que o acompanham, mas não o intimidando, pois ele é único ali e por este motivo tem a preferência para cruzar ou mudar de faixa, como se os carros modernos conhecessem a sua história e respeito pela idade e pela conservação tão esmerada de seu motorista.
Sem sentir, como mágica, você é conduzido para algum local onde outros antigos se reúnem. Estaciona. Olhares de amigos que há muito não via, se direcionam para o local onde você estaciona. Curiosos cercam seu carro.
— Vou ali e já volto. Se comporta ai…ok?, diz você a seu amigo.
De uma distância segura, você e seus amigos conversam, matam saudades, trocam lembranças, mas não deixam de patrulhar quem esta em torno do seu veículo. O tempo passa logo. Já é hora de retornar. Abraço nos amigos, sorrisos… Antes de sair, uma buzinadinha básica, para se despedir dos amigos e atrair as atenções dos observadores. Uma saída triunfal com um toque de classe que não se vê todo dia…
E se inicia o caminho de volta à garagem, mantendo a mesma velocidade de desfile, mais sorrisos pelo caminho, outros veículos buzinam ou piscam para seu veículo antigo.
Sem medo, você comenta: — Sempre fazendo sucesso não é?
Novamente o cuidado para subir a guia. O interior do seu veículo fica com menos luminosidade, se vê o fundo de sua garagem pelo seu parabrisas, o som característico da haste do câmbio entrando na posição “ponto morto”, o som do “clic” do freio de mão, uma aceleradinha de leve. O giro contrário da chave de partida cessa o movimento do motor, as luzes do painel desaparecem, a chave é removida, a porta se fecha, a capa retorna por sobre seu velho amigo. Antes de ir embora, você toca de leve com a mão a lataria por sobre a capa e se despede:
— Até a próxima!
(Não importa quantas vezes isso se repita, a sensação, o cheiro, a alegria sempre serão renovados!)
Abraço para você e seu auto antigo que lhe espera sempre em sua garagem!
Mas, me diga uma coisa: Você já conversou com seu auto antigo?
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*Marco Rebuli é presidente da Kombi Clube Curitiba e um antigomobilista que conversa com seus antigos da mesma maneira que alguns leitores amigos o devem fazer.
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