Como são feitos os livros de carros antigos?
(*)Rogério Ferraresi
Assim, se tornou muito difícil prestar serviços para as revistas remanescentes, cada vez mais preocupadas em diminuir seus custos, mesmo que isso significasse, apenas e tão somente, copiar os textos e as fotos já publicados na própria internet após a realização de mínimas alterações. O triste advento de tais “caça-níqueis” resultou na queda da qualidade do produto impresso e, portanto, na perda de boa parte de seus leitores, algo preocupante, pois não foi formada uma nova geração de consumidores desses periódicos.
Os sites poderiam, portanto, ser uma boa fonte de renda para jornalistas e escritores, substituindo os velhos impressos, correto? Errado: no Brasil eles não se mostraram em condições de cumprir tal papel, tendo em vista que a maioria dos nossos internautas considera que tudo que está disponível na rede tem de oferecer, necessariamente, acesso gratuito. Por tal motivo, como ninguém trabalha de graça, o livro, graças a alguns abnegados editores, (caso do Antônio Cestaro, da Editora Alaúde), se tornou o último front para muitos entusiastas dedicados ao antigomobilismo.
Posso dizer isso porque sou um desses “dinossauros”: em conjunto com Rogério de Simone, já escrevi, para a citada Alaúde, três títulos da popular série “Clássicos do Brasil”, os quais enfocaram o FNM 2000/Alfa Romeo 2300, o Chevrolet Chevette e o Fiat 147 (este último livro, inclusive, deverá ser lançado ainda em junho de 2016). Sendo assim, como muitos são aqueles que, de tempos em tempos, me procuram para saber como se produz um livro sobre carros antigos, tomei a liberdade, ao ser convidado para colaborar com Maxicar, de escrever um texto enfocando tal tema.
O ponto mais importante é que, nas reportagens ou livros que escrevo, ao contrário de muitos outros autores, sempre evito usar um linguajar pedante ou “falar” sobre mim mesmo. O motivo é óbvio: acredito que o leitor não queira gastar o seu tempo (e, acima de tudo, o seu dinheiro) para inflar o egocentrismo de ninguém, caso o assunto não seja, pelo menos, uma elaborada autobiografia. Para isso existem as redes sociais, nas quais qualquer cidadão pode exibir, nos mínimos detalhes (e de forma pernóstica), a sua vida pessoal para o resto da humanidade. Ou, pelo menos, para determinada parcela da população que, por algum motivo, se importe com isso.
Não é necessário, portanto, cortar árvores e gastar tinta para se autopromover, especialmente porque, agindo desse modo, o autor apenas colabora para com o desinteresse das pessoas pelos impressos, cujo número de leitores, como já vimos, diminui a cada dia, considerando-se o gradativo desaparecimento dos bibliomaníacos e o fascínio das novas gerações pelos avanços da tecnologia digital. Um bom exemplo dessa autopromoção que cito foi certo texto, feito para uma determinada revista de carros antigos (que, inclusive, já deixou de circular), em que o autor, mais preocupado com a sua própria história, só citava o veículo enfocado após o sexto parágrafo da matéria. A situação era tal que perguntei ao editor se o artigo era mesmo sobre o automóvel ou sobre o prolixo vaidoso que o assinava.
Destaques dos classificados
Bem, se você teve a paciência de ler até aqui, talvez já esteja pensando que estou seguindo pelo mesmo caminho do referido cidadão. Afinal, o prometido, pelo título que utilizei, é uma explicação de como se escreve um livro sobre carros antigos. Sendo assim, cabe citar que a atividade se orienta através de seis perguntas básicas: “O quê?” (o fato ocorrido), “Quem?” (o personagem envolvido), “Quando?” (o momento do fato), “Onde?” (o local do fato), “Como?” (o modo como o fato ocorreu) e “Por quê?” (a causa do fato). Tomemos, portanto, o exemplo do livro sobre o Fiat 147, nos quais as questões teriam as seguintes respostas: a história do carro, o próprio 147, a época que precedeu a sua fabricação e os anos em que foi produzido, os países e m que isso se deu (inclusive o Brasil, obviamente), as condições que se apresentavam nessa época (inclusive quanto aos concorrentes) e os motivos que levaram a todos esses acontecimentos.
Partindo dessa estrutura básica, teve início, então, a procura por dados de diversas fontes, que foram cruzados e permitiram a obtenção do material necessário para se escrever a obra. A parte mais difícil foi, pela carência de registros, delinear toda a história da marca Fiat no Brasil, desde o início do século XX. Uma fonte, por exemplo, informava que o primeiro Fiat a rodar no País havia sido montado, em 1907, pela oficina de Luís e Fortunato Grassi, a “Indústria de Carros e Automóveis Luiz Grassi e Irmão”, localizada na rua Barão de Itapetininga, 37, em São Paulo, SP. Outra fonte, porém, registrava que, em 1903, já havia dois carros da marca na mesma cidade, sendo um de Ermelino Matarazzo e outro do conde Silvio Penteado.
A solução foi, portanto, computar tais dados (e todos os outros também apurados), o que permitiu a montagem de um imenso quebra-cabeças, cujas diminutas “peças” foram se encaixando conforme as pesquisas avançavam. Todos os fragmentos foram “arquivados” cronologicamente pelo ano em que ocorreram e, quando possível, também pelo mês e pelo dia. Assim, descoberto um evento ocorrido em 1910, este era guardado na “pasta” do referido ano, não importando se a próxima informação sobre o mesmo só fosse obtida meses depois, quando tivessem sido levantados diversos elementos sobre as décadas seguintes.
Exemplo disso foi um velho anúncio de duas páginas, publicado em 1954, de uma empresa chamada Cibrasil. Isoladamente, tal fragmento pouco representava, mas, considerando-se que, nesse mesmo ano, a Fiat vendeu 844 carros a mais que em 1953, certamente a Cibrasil influenciou em tal resultado. Isso se deu através de seus planos de economia reembolsável, pois os prestamistas da empresa concorriam aos automóveis da marca italiana, mais precisamente dos modelos 1.100 e 1.400, que foram razoavelmente populares no Brasil da época. Todo esse material (texto e fotos) constituiu-se no acervo empregado para a criação da nova obra, sendo necessário, dai em diante, definir a ordem na qual a história seria contada.
Optamos por desmembrar o texto em quatro capítulos distintos: “Origem”, “Evolução dos Modelos”, “Curiosidades” e “Dados Técnicos”. Feito isso, começamos a escrever o livro, já pensando na maior dificuldade de todas: localizar carros originais e em bom estado de conservação, cujas fotos ilustrariam as páginas da obra. Rogério de Simone, por um golpe de sorte, conseguiu boas imagens de época com a própria Fiat, para a qual tomo a liberdade de agradecer, pois seria muito difícil encontrar veículos como o 147 Furgoneta e o Fiorino Settegiorni “vivos” e adequados ao propósito do livro (nem todas as montadoras se importam com a sua história e a GM, antes tão preocupada com a memória nacional, já chegou a cobrar pelo uso de algumas fotos…). Além disso, o Rogério de Simone também localizou vários carros em excelente estado, fazendo muitas das fotos que valorizaram ainda mais o texto que produzimos em conjunto.
Tendo tudo em mãos, a obra foi diagramada (algo feito pela própria Editora Alaúde) e revisamos os arquivos digitalizados, ocasião na qual foram encontrados, como sempre acontece, alguns erros, tanto no tocante aos dados históricos quanto às regras gramaticais (espero que tenhamos eliminado todos eles!). Por fim, os arquivos seguiram para a gráfica e, depois de dois anos de pesquisas, resultaram no título que, em breve, estará disponível nas livrarias. E agora vem a pergunta que, para muita gente, é sem dúvida a mais importante: quanto os autores ganharam com tudo isso? Pouco, muito pouco, podem estar certos.
Escrever, no Brasil, é um exercício de fé. Especialmente quando o tempo é dedicado a algo que, não sendo “Macaquitos” ou produções assemelhadas, poucas pessoas entendem ter importância cultural. Afinal, nesses tempos da exploração política do cicloativismo, estamos dedicando o nosso tempo ao grande demônio da sociedade moderna, o belzebu-mor do capitalismo selvagem, o satanás de aço, plástico, vidro e borracha que chamamos de o automóvel, invenção infernal que “polui e ocupa espaço público”. Mas acho que o leitor de Maxicar não concorda com isso, não é mesmo?
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(*) Rogério Ferraresi é jornalista, radialista, ator e dublador. Iniciou as suas atividades em 1994, na revista Oficina Mecânica. Já colaborou com títulos como Auto & Técnica, Moto & Técnica, Motorshow, Fusca & Cia, Opala & Cia, Trip, Quatro Rodas, Power Car, Forever, Vogue Homem, A Biela, Automóveis Antigos e Classic Show. Foi editor das revistas Auto & Mecânica e Rod & Custom e, no exterior, colaborou com as revistas VW Magazine (Austrália), Topos & Classicos (Portugal) e Classic & Sports Car (Inglaterra).
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