Colunista Convidado

Eu e o Anastácio

Eu sou o caipira Philaderpho e minha história dentro do antigomobilismo começou desde que me entendo por gente.

Mas minha história com o Anastácio é mais recente, começou em 1999 quando um dia eu assisti o filme do saudoso Mazzaropi e vendo o caminhãozinho nas cenas eu pensei: “por onde andará o Anastácio, será que ele existe ainda?” Então procurei uma pesquisadora que anos atrás tinha desenvolvido uma pesquisa sobre a vida e obra do Mazzaropi, Ela me contou que durante a pesquisa, tinha visto o veiculo no sitio do Jordano Martinelli um ex-funcionário da Vera Cruz.

Primeiro, vamos entender e saber quem foi Martinelli. Ele foi o adestrador dos animais dos filmes da Cia Cinematográfica Vera Cruz, onde o Mazzaropi iniciou sua carreira no cinema em 1950, com o filme “Sai da Frente”, e nos pátios da Vera Cruz, havia dois caminhõezinhos praticamente iguais, que serviam para transportar equipamentos e cenários dentro da empresa.

Martinelli comprou um sitio próximo à Cia Vera Cruz e durante anos foi recolhendo este “Lixo”: cenários, figurinos, objetos cênicos e até equipamentos obsoletos.
O filme que Mazzaropi fez era sobre um motorista de praça e a empresa alugaria um caminhão para contracenar com ele, mas Mazzaropi não quis, dizendo que aquele caminhãozinho da empresa era mais o perfil do personagem, pois já era um carrinho velho e desgastado. Foi quando ele escolheu um e segundo me contaram, ele mesmo o personalizou com um farol maior que o outro, a pintura nas portas, a mulher na praia que fica no colete do radiador, a seta, a placa com o nome Anastácio e o gavião que fica no radiador, além das pinturas na carroceria.

O caminhãozinho passou a ser parceiro do inesquecível Mazzaropi em seus filmes.

Mas nem tudo era ficção. A Cia Vera Cruz — que ficava em São Bernardo do Campo — imperou durante décadas, sendo na época a maior empresa produtora de cinema do país, conhecida como a “Hollywood Brasileira”. Mas nos últimos anos ela passava por necessidades financeiras. O desperdício era comum. Ao término de um filme,  aqueles cenários e etc.. eram jogados no pátio como sucata.

É então entra o Martinelli nesta historia: além de funcionário e adestrador, Martinelli comprou um sitio próximo à Cia Vera Cruz e durante anos foi recolhendo este “Lixo”: cenários, figurinos, objetos cênicos e até equipamentos obsoletos.

Anástácio “em ação” ao lado de Mazzaropi e no cartaz do filme “Sai da Frente”

Quando a Vera Cruz fechou de vez suas portas, ele ficou com o maior acervo da Vera Cruz. Guardou tudo em seu sitio, e enquanto ele estava vivo nada saiu de lá. Os anos se passaram e Martinelli veio a falecer e seu filho vendeu o sitio para uma fabrica de móveis, e o acervo foi em parte doado e outros objetos vendidos.

Vamos agora falar do Caminhãozinho Anastácio. Ele também foi para o sitio, ficou lá até sua venda.

Dizem que uma pessoa de São Bernardo o comprou e ele ficou estacionado por alguns anos perto de uma escola. Depois disso foi vendido para São Paulo e lá passou por mãos de algumas pessoas e quando eu o encontrei já estava em Minas Gerais, na mão de um colecionador que iria desmontar e restaurar todo ele, com as características originais de um Chevrolet 1930. E nunca mais saberíamos que aquele velho calhambeque  era o famoso Anastácio.

Eu já estava meio desanimado e não queria mais arriscar, mas algo dizia dentro de mim: “vai lá ver!”
Mas Philaderpho, como você conseguiu adquirir o veiculo? Vamos voltar no início da historia… A pesquisadora me deu a dica de onde o tinha visto, então fui pra São Bernardo e procurei o tal sitio do Martinelli. Quando cheguei lá já era uma fabrica de moveis e ninguém sabia de nada. Então fui atrás de moradores antigos próximos ao local, e perguntando a um aqui, outro ali, fui colhendo informações e até na prefeitura eu fui, pois ela dizia ter um acervo, mas não quis me revelar a lista. Então fui até o local onde este tal acervo da prefeitura existia. O local ficava dentro dos antigos galpões da Vera Cruz. Não podia entrar, mas conversei com o guarda e ele disse que trabalhava lá há muitos anos e nunca tinha visto caminhãozinho nenhum. Com muito custo ele me levou até o local. Não pude entrar, mas era uma sala fechada e pequena onde havia apenas um vitro e uma porta de entrada comum. Olhei pelo vitrô e não vi nada, a não ser papeladas, tecidos e alguns moveis.

Enfim sempre voltava à estaca zero. Foi quase um ano de pesquisa indo pra São Bernardo do Campo e São Paulo, e nesta trajetória encontrei vários carros que alguém batizou com o nome de Anastácio, mas não era e começava tudo de novo. Mas um dia veio uma informação que um comerciante de Minas Gerais teria comprado um caminhãozinho com tais características. Eu já estava meio desanimado e não queria mais arriscar, mas algo dizia dentro de mim: “vai lá ver!” E então juntei minhas coisas e lá estava eu. Cheguei na hora certa: o atual proprietário, iria restaurar todo ele. Contei minha história e ele concordou em me vender, disse que tinha muitos carros e suas duas filhas e genros não ligavam para os carros, e  que quando ele fechasse os olhos tudo aquilo iria ser vendido a preço de banana. Me mostrou seu galpão com uns  30 veículos e claro lá escondidinho no canto  estava aquele velho caminhãozinho, meio desmontado, todo sujo e empoeirado,  o Anastácio! Após uma minuciosa olhada eu o identifiquei, mas algo desde de a informação que tinha recebido, me dizia que era ele mesmo, antes mesmo de vê-lo. E assim nossa história não parou mais!

E os tempos de gloria do Anastácio voltaram. E ele voltou a brilhar na TV. Uma reportagem especial no Auto Esporte; participação no Programa do Ratinho, que o colocou no palco, para homenageá-lo; e o Jô Soares também nós levou para uma entrevista em seu programa. Além de jornais, revistas… sempre o Anastácio dá seu alô aos fãs.

Mas eu, Philaderpho, e o caminhãozinho Anastácio constantemente viajamos para participarmos de vários encontros de antigomobilismo, levando nossa história por várias cidades e estados do Brasil. E vejo pessoas chorando de alegria  quando vêem o Anastácio, colocando as mãos e tirando fotos. Não há nada mais gratificante de ver estás cenas.

Por isso que eu digo: não sou dono. Sou apenas cuidador da história, pois ele pertence a todos que gostam do Mazzaropi e, claro, do Anastácio.

Fim.

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Philaderpho

Philaderpho é o nome artístico do empresário Júlio de Lima, de Taubaté, SP. O impagável caipira alegra encontros de carros antigos por todo o Brasil, sempre ao lado do caminhãozinho Anastácio.

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