A Kombi da Fazenda
Por Daniel Shimomoto
Essa história é sempre contada por meus pais. O acesso à fazenda de meu avô se dava por meio de uma estrada de terra que ligava a estrada municipal à sede da fazenda. Um trajeto de cerca de dois quilômetros que cruzava dois cursos de água próximos, que quando chovia, não raro, se fundiam numa grande área inundada. Neste acesso havia uma grande reta em declive com aproximadamente 1,3 quilômetros que saia da cota 638 chegando na cota 690; uma longa descida de 52 metros!
Mapa da estrada de acesso à fazenda do avô do Daniel. Onde: 1- Entroncamento com a Estrada Municipal, 2- Casa da Fazenda e 3- Passagem dos rios e início do trecho reto (Fonte: Google Maps):
O trecho em dias secos não representava qualquer incômodo, todavia com a menor chuva já ocorria a formação de lama e poças de água. Chegar na Fazenda, como era “morro abaixo”, era fácil, entretanto sair da propriedade… Era necessário vencer longa e, agora, desafiadora subida que ficava escorregadia. Os carros patinavam e em caso de maior esforço, as rodas abriam buracos na estrada e o veículo afundava na lama…
Até início da década de 1970 havia um Jeep CJ6 “Bernardão” 4 portas; todavia a confiabilidade do velho Willys não era das maiores e seu desempenho, em condições adversas, medíocre. Aliás, como todo veículo de eixo rígido, caso o veículo afunde, se encostar a bola do diferencial na lama, aí que não sai mesmo.
Em 1970, mais ou menos, meu avô, que sempre teve Kombi (a família era grande, 5 filhos), resolveu comprar uma outra Kombi para uso particular, só que desta vez, dotada de diferencial “travante”.
Destaques dos classificados
Foi o veículo que fez a diferença! A perua simplesmente não ficava atolada. Subia os 1300 metros dos córregos até a estrada municipal vagarosamente e se patinasse, bastava puxar a alavanca embaixo do banco do motorista e a perua se tornava um “tratorzinho”, subindo devagar, mas com firmeza e convicção, um trecho que mesmo o “Bernardão”, com tração nas 4 rodas, acabava por fazer feio.
Meu pai, um ótimo motorista em condições adversas, simplesmente adorava a Kombi “traçada” (na verdade esse era um apelido incorreto e impreciso, mas era o apelido que foi dado para esta Kombi). Segundo ele a Kombi sempre foi um ótimo veículo para andar no barro, mas precisava ter um pouco de peso na traseira. Essa Kombi era fora de série! Bastava puxar a alavanca, engatar a primeira e seguir, sem qualquer problema independentemente se ela estava vazia ou carregada.
Infelizmente depois de alguns anos, meu avô passou a perua para a Fazenda e depois de muitos problemas de diferencial (culpa do mau uso dos motoristas não instruídos para operarem o conjunto), a Kombi acabou vendida.
Aliás, apresento um comentário técnico sobre Kombis: apenas os modelos 1976 e 1977 não se prezam para andar na terra/lama e existe uma razão técnica para tal.
Esses modelos, os primeiros “T-1,5” brasileiros, vinham equipados com suspensão traseira com braços semi-arrastados (como em todas as Kombis pós 1976) entretanto a transmissão do câmbio para as rodas era feita através de eixos cardã dotados de duas cruzetas que trabalhavam em conjunto, num ângulo ideal (eixos cardã não gostam de trabalhar em grandes ângulos), com as caixas de redução nas rodas, que eram uma herança que vinha das primeiras Kombis e cuja função era aumentar o torque nas rodas.
Só que para o veículo andar para frente, a transmissão tinha a coroa montada do lado direito do câmbio, gerando um movimento reverso (contrário ao sentido do movimento para frente), movimento esse que era “corrigido” pelas engrenagens da caixa de redução das rodas.
E em virtude disso, esse modelo específico de perua tem a tendência de erguer a traseira, deixando a perua patinando por qualquer razão. Somado a isso os impactos nas rodas oriundos da perda/ganho abrupto de tração geram trancos nas cruzetas e não era incomum esse conjunto se quebrar deixando o veículo sem tração.
Um fato que eu soube recentemente, por intermédio de um ex-funcionário da Fazenda, é que a Kombi do meu avô era realmente boa de lama, mas tão boa que o pessoal pensava que podia fazer de tudo com ela. Como falei, depois de algum tempo, o meu avô deixou a Kombi “traçada” para uso na Fazenda.
Durante chuvas fortes, os dois pequenos cursos de água que cruzavam a estrada se enchiam podendo ficar “emendados” um com o outro e o motorista que vinha trazendo óleo diesel da cidade em tambores de 200L num dia de muita chuva, resolveu “enfrentar” a água e acabou com a perua sendo arrastada pela água em direção ao mato. E assim ficou a perua, largada por uns 3 dias, grudada no mato, enquanto não deu uma boa estiagem para poder arrastar a Kombi de volta para a estrada. Este fato ilustra a razão da Kombi acabar sofrendo tantos problemas técnicos que a levou a ser vendida.
(*) Daniel Shimomoto de Araujo, 39 é paulistano. Iniciou sua vida profissional gerenciando a propriedade agrícola da família, dedicada à cafeicultura. Atualmente é industrial e reside em Garça (SP), distante 402 km da capital.
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