Das atribuições dos clubes de automóveis antigos na expedição do Certificado de Originalidade, à luz da resolução 56 do CONTRAN, de 21/05/1998, e os efeitos do ofício circular 26/2018 do diretor do DENATRAN, de 20/02/2018.
São necessárias algumas reflexões a respeito do ofício circular nº 26/2018 do DENATRAN, assinado por seu diretor Maurício José Alves Pereira, datado de 20 de fevereiro, que se propõe a anular certificados de originalidade emitidos em vistorias remotas em todo o território nacional.Tal ofício, enviado às entidades credenciadas para a emissão do Certificado de Originalidade(1), lembra que “para a circulação em vias públicas, é necessário que os veículos antigos estejam devidamente registrados e licenciados”.
Lembre-se que o registro e licenciamento de veículos são atribuição dos Departamentos Estaduais de Trânsito, e cada estado da federação adota um sistema mais ou menos semelhante para efeitos de licenciamento anual. Em comum entre eles há a exigência do pagamento de taxas, para veículos novos ou antigos, desde que não haja uma isenção específica prevista em lei, taxas estas que se referem ao próprio serviço de licenciamento, ou até mesmo para custear vistorias a que o veículo seja submetido por ocasião desse licenciamento, como no caso fluminense.
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Prossegue o documento sob análise afirmando que, nas normas citadas, encontram-se “todas as informações acerca do processo de emplacamento para que se proceda à análise do requerimento que disciplina a identificação e emplacamento dos veículos de coleção”. Uma afirmação, a nosso sentir, bastante generosa para a lacônica resolução 56 que, ao mencionar “características originais de fabricação”(2), tem proporcionado tantas dúvidas e divergências no meio antigomobilista.
O ponto central de nossa apreciação, contudo, está na inovação trazida pelo ofício circular do DENATRAN, que se refere à certificação de segurança (grifamos) dos veículos antigos de coleção. Para essa certificação, seria necessário averiguar o pleno funcionamento dos equipamentos de segurança, bem como sua fabricação, condições estas inaferíveis por meio de “vistorias remotas”.
Ao fim, o documento obriga a realização de um exame de originalidade presencial dos veículos antigos de coleção, pelas “empresas credenciadas” [sic] pelo DENATRAN, anulando os certificados emitidos com base em vistorias remotas.
Destaques dos classificados
Diante da imprecisão e vagueza técnica do ofício circular em estudo, precisamos retomar o sentido da resolução 56 para definirmos precisamente que atribuições possuem as entidades credenciadas pelo DENATRAN para aferir a condição do veículo de coleção, bem como a natureza dessas entidades, que não nos parece acertadamente contempladas pela última parte do ofício.
A aferição limita-se a: verificar se o veículo foi fabricado a trinta anos ou mais; se conserva as características originais de sua fabricação e se integra uma coleção.
Tais condições são cumulativas e, segundo entendimento amplamente divulgado entre clubes de veículos antigos, a última delas é satisfeita no momento da inscrição na entidade credenciadora, vez que parte dos antigomobilistas possui apenas um automóvel.
“Ora, em nenhum momento, a resolução atribui aos clubes credenciados a responsabilidade ou tarefa de aferir o pleno funcionamento dos equipamentos de segurança nos automóveis vistoriados.”
Presentes essas condições, a entidade credenciada expede um certificado, levado pelo proprietário do veículo ao órgão responsável pelo emplacamento, apto a alterar sua classificação para veículo de coleção, e emplacá-lo com placas pretas.
A mesma resolução dispõe(3) que a emissão do certificado fica a cargo de pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, instituídas sob a forma de associações(4) com o intuito de preservar os automóveis antigos, tidos como atividade cultural, com reconhecida atividade no setor.
Ora, em nenhum momento, a resolução atribui aos clubes credenciados a responsabilidade ou tarefa de aferir o pleno funcionamento dos equipamentos de segurança nos automóveis vistoriados.
Embora não haja um conceito fixo para as “características originais de fabricação”, e se isso poderia incluir ou não os equipamentos do veículo como um todo, impor aos clubes que transitem no aspecto do pleno funcionamento de equipamentos de segurança é equivocado por duas razões: primeiro, porque o clube de automóveis antigos não tem expertise neste particular, devendo ater-se à originalidade. Segundo, porque a declaração, além de exorbitar dos dados obrigatoriamente constantes do certificado de originalidade, poderia atribuir responsabilidade civil aos clubes, equiparável a de empresas que trabalhem com a certificação em segurança veicular.
Exemplificando: durante uma vistoria para a emissão do certificado de originalidade, o clube tem conhecimento suficiente para afirmar a presença ou ausência de faróis originais de um determinado modelo, mas exorbitaria de suas atribuições, e mesmo de sua capacidade técnica, se procurasse definir se os faróis são hábeis a iluminar adequadamente à noite ou se estão bem regulados. O clube incluirá certamente, dentre seus itens de avaliação, a medida e modelo dos pneus, mas não poderá atestar, pelas mesmas razões, se estes se encontram com desgaste tolerável ou não, ou se ainda podem ser utilizados para a rodagem. Mesmo porque, se afirma que os pneus do carro, ou mesmo seu sistema de freios (a varão ou hidráulico) encontram-se em conformidade no quesito segurança, o clube poderia vir a ser responsabilizado se, numa ocorrência fatídica, a falha nesses equipamentos viesse a causar um acidente, com danos de qualquer natureza ao veículo ou seus ocupantes.
Além do problema mencionado, o ofício circular do diretor do DENATRAN ainda conserva a incongruência de mencionar “empresas credenciadas” a emitir os certificados nos quais se incluiriam a questão da segurança. Não cremos em qualquer desconhecimento jurídico neste particular. Pode ter havido apenas uma confusão. O certo é que as entidades credenciadoras de originalidade não podem ser empresas, pois seguem os estatutos das associações, não tendo fins lucrativos, que são característicos das empresas(5).
Mas, ainda que se tenha utilizado a expressão impropriamente, seria equivocado incumbir a esses clubes, por meio de um ofício circular, uma atribuição nova, referente a uma certificação de segurança, que não consta de seus estatutos, extrapola os limites dos objetivos das centenas de clubes de automóveis credenciados pelo país, e geraria para essas entidades sem fins lucrativos uma responsabilidade para a qual elas não possuem aptidão ou capacidade técnica.
Por último, é necessário analisar as relações apontadas pelo documento entre a vistoria em si, não incluindo a questão da segurança – uma vez que já deixamos clara a nossa posição sobre a inviabilidade e as inconveniências de se atribuir essa atividade a clubes de autos antigos – e a anulação dos certificados que não hajam sido emitidos em vistoria presencial.
“Até hoje os clubes de automóveis antigos do Brasil utilizam critérios próprios para a expedição do certificado de originalidade”
A resolução 56, como já demonstrado, é bastante limitada e lacônica em suas diretrizes, e está longe de mostrar-se como fonte completa com “todas as informações acerca do processo de emplacamento” com placas pretas. Tanto ela não cumpriu o objetivo de regulamentar exaustivamente o art. 97 do CTB, que até hoje os clubes de automóveis antigos do Brasil utilizam critérios próprios para a expedição do certificado de originalidade, havendo os que se baseiam na planilha desenvolvida pela Federação Brasileira de Veículos Antigos, outros que seguem critérios próprios, por vezes variáveis entre marcas e modelos de veículos, e ainda os que fazem vistorias atentando-se para aspectos gerais do veículo, sem se preocuparem com um logotipo numa lente de farol, ou a marca de um vidro de quebra-vento.
Dentre todos, há os clubes que, nos últimos anos, passaram a oferecer a certificação de originalidade quase como um serviço, com vistorias por fotos. Clubes que não se constituem nos moldes tradicionais, pois parecem não ter outra atividade senão a emissão de certificados mediante pagamento.
Não obstante deva-se considerar se, dentre as entidades que são clubes autênticos, seria legal ou ilegal a vistoria por meio de fotos, ou não presencial, e o que isso traria de prejuízo para a correta certificação da originalidade do veículo.
Sobre a vistoria à distância, não vemos qualquer ilegalidade, pois nem a lei, nem a resolução aplicável, vedam esse procedimento. Sobre as falhas presentes nessa modalidade, poderíamos apontar a possibilidade de fotografias não autênticas (um automóvel se passando por outro), com vistas à obtenção da placa preta, ou mesmo a dificuldade em aferir a originalidade de certos itens de forma não presencial, a qual pode ser diminuída ou mesmo eliminada graças a uma imagem bem obtida, abrangendo detalhes e ângulos adequados.
Essas razões não seriam, a nosso entender, suficientes para desqualificar ou anular o certificado de originalidade (frisamos que não estamos falando de certificação de segurança) emitidos por clubes em vistoria não presencial.
Se o objetivo dessa pretensa “anulação”, cujo instrumento jurídico dificilmente poderia ser um ofício circular, é fazer a certificação de originalidade ser mais próxima dos objetivos da resolução 56, podemos afirmar ao Sr. Diretor do DENATRAN que, se a placa preta estiver sendo vista apenas como objeto de lucro ou vantagem, pouco importará a vistoria presencial ou à distância para que sejam utilizados critérios distorcidos ou excessivamente permissivos para a expedição de um certificado de originalidade.
” É preciso melhorar os critérios não apenas para o credenciamento de entidades aptas a fornecer o Certificado de Originalidade, como também os próprios requisitos para proceder à certificação.”
Não se ignora que é preciso melhorar os critérios não apenas para o credenciamento de entidades aptas a fornecer o Certificado de Originalidade, tarefa do órgão de trânsito, como também os próprios requisitos para proceder à certificação. Além disso, necessita-se de regulamentação mais precisa da forma pela qual um certificado indevidamente concedido, uma vez cancelado pelo clube ou pelo órgão de trânsito, possa efetivamente provocar a perda do status de veículo de coleção, com o consequente retorno às placas cinzas.
Mas é preciso também não generalizar classificações ou conceitos contra quem proceda legalmente, bem como ser mais acurado e cauteloso o órgão de trânsito em suas manifestações, evitando a insegurança jurídica que um ofício como este que analisamos possa vir a causar no meio antigomobilista brasileiro, formado, em sua grande maioria, por pessoas naturais e jurídicas comprometidas com a preservação e a cultura dos automóveis antigos.
(1) Fundamentado na resolução CONTRAN 56 de 21/05/1998, corrigida pela resolução 127 de 06/08/2001, regulamentadoras, em parte, do art. 97 do Código de Trânsito Brasileiro.
(2) Art. 1º, II da Resolução 56, de 21/05/1998.
(3) Art. 1º § 2º da Resolução 56, de 21/05/1998.
(4) Associações são, por natureza, pessoas jurídicas de direito privado, conforme o art. 44, I do Código Civil Brasileiro, instituindo-se na forma do art. 53 do mesmo diploma legal.
(5) Conforme o art. 966 do Código Civil Brasileiro considera-se empresário quem exerce de maneira profissional, e com intuito econômico, atividade organizada de forma profissional com fins de produção e circulação de bens ou serviços.
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