Inicialmente destinada ao mercado internacional, essa raríssima versão foi a resposta da VW para a demanda dos taxistas brasileiros por um carro quatro portas compacto e econômico
Fruto do talento de Márcio Piancastelli e José V. Martins, a Brasília foi o primeiro Volkswagen, de grande produção, desenvolvido no Brasil. Apresentada em 1973, buscava modernizar o tradicionalíssimo Fusca, cujo design remontava a década de 1930, mantendo a base mecânica comprovada. Fabricada entre junho de 1973 e março de 1982, se tornou um sucesso de vendas, com mais de um milhão de unidades fabricadas. Inclusive, foi exportada para países como Nigéria (sob o nome de VW Igala), Filipinas, Kuwait, além de alguns vizinhos da América do Sul.Brasília 4 portas na Nigéria. Lá se chamava Igala (montagem sobre fotos de divulgação)
Mesmo com toda popularidade, uma versão se destaca como genuína “mosca branca” chamando sempre atenção dos entusiastas: a Brasília quatro portas.
Calcula-se que foram comercializadas no Brasil por volta de 2000 unidades, das quais apenas 100 seriam da luxuosa versão LS. Elas possuem identificação própria no chassi começando pela sigla BQ (as 2 portas começam por BA ou BX).
Propaganda filipina cita “engenharia alemã”, provavelmente, por questões de marketing, pois a Brasília era projeto brasileiro. Também menciona “ar condicionado opcional”, inédito para nós (Foto: divulgação VW)
Embora a VW tenha lançado a Brasília 4 portas no XI Salão do Automóvel em novembro de 1978 — como modelo 1979 — ela não era nenhuma novidade, já que vinha sendo fabricada aqui no Brasil desde setembro de 1975, para exportação, e dividia alguns mercados internacionais com o modelo 2 portas. O motivo de tanta demora foi a forte rejeição dos consumidores brasileiros pelos carros quatro portas, em favor dos modelos de duas portas, vistos como mais bonitos e duráveis, de acordo com o gosto da época.
Destaques dos classificados
Submetida a testes de resistência, a Brasília 4 portas não apresentou problemas estruturais na carroceria (Foto: Revista 4 Rodas nº224)
Em paralelo, no final da década de 1970, o mercado dos táxis e das frotas públicas no Brasil sentia falta de um carro 4 portas compacto e econômico. Muitos motoristas, que usavam o Fusca como táxi, chegavam a retirar o banco do carona para facilitar o acesso ao banco traseiro do “Besouro”.
Atenta a esse nicho estratégico, a concorrente GM apresentou uma variação do popular Chevette, com 4 portas, em abril de 1978 ameaçando as vendas da VW no segmento. Por sua vez, a resposta da montadora alemã foi simples: destinar unidades da Brasília 4 portas — que já era fabricada há quase quatro anos — para o mercado nacional. Mas, diferente dos modelos exportados, elas viriam apenas na versão “Standard”.
Brasília modelo exportação pré-79, com placas brasileiras (Foto: dioxinis.blogspot.com)
Entre parênteses, existe a lenda de que algumas unidades de Brasília 4 portas, pré-79, versão exportação, teriam sido destinadas a altos funcionários da VW e assim chegaram às ruas brasileiras. Isso parece ser comprovado por essas raríssimas fotografias acima, de um modelo 1975/76, com placas de São Bernardo do Campo.
A ampla lateral da Brasília abrigava confortavelmente as portas extras (Foto: Fernando Barenco e Revista 4 Rodas nº 224)
A aparência geral das Brasília 4 portas era a mesma das demais, de 2 portas. A principal diferença, evidentemente, estava nas laterais, com as portas duplas. Não foram necessárias grandes alterações para colocá-las de forma harmoniosa. Apenas a porta dianteira foi encurtada em 14 cm, a coluna central adiantada na mesma medida e a porta traseira de 76 cm entrou no espaço. Atrás, ainda havia lugar para um vidro vigia de bom tamanho.
Na frente e na traseira não havia modificações e os para-choques, “Standard”, eram pintados de Cinza Opalescente, o mesmo das rodas. Faróis duplos, rodas 14 de aço estampado, com calotas copinho e lanternas traseiras vermelhas estriadas, compunham o visual padrão.
O painel da Brasília 2 portas “Standard” 1979 era o mesmo da Brasília 4 portas (Foto: Fernando Barenco)
O interior também era “Standard”: no painel de plástico preto, havia um ressalto onde ficavam os instrumentos: à esquerda, o marcador de combustível, ao centro, o velocímetro (160km/h) com odômetro total e luzes testemunhas, e à direita, o espaço do relógio, quase sempre cego. No meio do painel, ficava o suporte do rádio. Sob este, o cinzeiro e o isqueiro (opcional), e mais abaixo dois difusores de ar. Já em frente ao carona, se localizava o porta-luvas.
Os interruptores do carro ficavam distribuídos na parte inferior do painel e na coluna da direção, como na Brasília 2 portas. Por fim, havia o volante preto, com um grande botão de buzina elíptico (canoa) adornado com as letras “VW” estilizadas.
O acabamento na Brasília 4 portas 1979, levava a simplicidade ao pé da letra. (Foto Revista Quatro Rodas nº224 e nº 230)
Os bancos baixos tinham regulagem de encosto em três posições, eram revestidos de courvin, com o assento e encosto forrados no mesmo material. Opcionalmente, podiam vir em tecido. O banco traseiro era fixo, impedindo o rebatimento e reduzindo a capacidade de carga do veículo. Mas havia o lado positivo, pois os ocupantes ganhavam 2 cm a mais de espaço em cada banco.
Lateral da porta (Foto: Rodolfo, olx.com)
As laterais das portas eram de vinil vincado preto. Lá ficavam a maçaneta embutida, a manivela do vidro e um puxador-alça de plástico. Na porta do motorista, havia a clássica bolsa de plástico franzido e na traseira direita, um cinzeiro.
As portas traseiras também tinham uma trava, que quando acionada impedia a abertura interna o que dava maior segurança no transporte de crianças. O assoalho era forrado de borracha texturizada e o teto em vinil cinza. Apenas três opcionais eram oferecidos pela VW: aquecedor, ventilador elétrico e vidro traseiro com desembaçador.
A suspensão era padrão, com barras de torção longitudinais, barra estabilizadora à frente e barra compensadora na traseira. Apenas, os amortecedores eram recalibrados, mais macios e confortáveis. Os sistemas de freios e direção também não mudavam em relação ao modelo 2 portas.
O carro pesava 906 kg e era movido pelo famoso motor “boxer” 1600 cc, de 4 cilindros, traseiro, refrigerado a ar e tinha na caixa de 4 marchas, precisa e de fácil operação, um dos pontos mais fortes.
Motor 1.6 de carburação simples. Opcionalmente, o dínamo poderia ser substituído por um alternador (Foto: Alexandre Thomaz)
A diferença mecânica principal era o uso de um carburador simples, ao invés da carburação dupla, padrão dos modelos 2 portas dessa época. Isso era um “trauma” que a Volkswagen trazia da Variant e do TL, que tinham sua carburação dupla muito sensível. O problema foi resolvido, mas a fábrica optou por não oferecer o recurso, nem nos opcionais, com receio de uma associação.
O que, logicamente, trazia prejuízos, pois, de acordo com testes da revista Quatro Rodas na época, o motor com um carburador produzia 58 cv brutos (11,8 mkgf de torque máximo) contra 65 cv (11,3 mkgf) da dupla carburação. Embora, a velocidade final dos dois modelos fosse quase a mesma: ~128 km/h da 4 portas contra ~130 km/h da 2 portas, havia diferenças sensíveis nos quesitos arrancada e consumo médio. Enquanto a 4 portas ia de 0-100 em 25,7 segundos e andava 10,5 km/l, a 2 portas fazia isso em quatro segundos a menos e rendia três quilômetros a mais: 22,3 s – 12,8 km/l.
A título de comparação, a Panorama 1980 era capaz de acelerar de 0-100 em 18,5 s e chegava a 142 km/h máximos, enquanto o Chevette 4 portas 1979 ia de 0-100 em 19,7 s com final de 138 km/h. Ambos, beneficiados pelo projeto e configuração mecânica mais modernos.
A Brasília 4 portas 1980 externamente não se diferenciava do modelo 1979, mas internamente sim
O ano de 1980 foi cheio de novidades para a Brasília 4 portas: a começar por dois importantes opcionais acrescentados à lista: para-choques cromados e dupla carburação. Além disso, toda linha passou por uma reformulação interna e essa versão não ficou de fora.
Novo interior “Standard”, para 1980 (Foto: Rodolfo, olx.com)
Os instrumentos foram agrupados num módulo retangular, ficando à esquerda o relógio de horas, ao centro um agregado de nível de combustível/vacuômetro/ luzes testemunha e à direita, o velocímetro (160 km/h) com odômetro total e parcial. No caso da Brasília 4 portas “Standard”, o relógio, o vacuômetro, e o odômetro parcial eram inexistentes; os pontos ficavam cegos).
Além do porta-luvas, um porta-objetos sobre o painel (Foto: Rodolfo, olx.com)
O painel, redesenhado, passou a incluir um prático porta-objeto. No centro, ficavam os controles da ventilação, junto ao difusor de ar e, abaixo destes, o rádio, o isqueiro (opcional) e o cinzeiro, reunidos em um console agregado. Além disso, mais dois difusores de ar foram acrescentados, um em cada extremidade do painel. Os interruptores passaram a ser do tipo tecla, mais modernos e seguros.
Os bancos foram melhorados, mas continuaram revestidos em courvin, com a faixa central desenhada em pequenos gomos horizontais. Como opcional, além do apoio de cabeça, continuava disponível o revestimento central em tecido.
Motor 1.3 álcool com dupla carburação, opção dificílima de encontrar hoje, ainda mais numa Brasília 4 portas (Foto: Século XX V.C.)
Também em 1980, surgiu a Brasília movida a álcool. O motor e o diferencial eram os mesmos do Fusca álcool, 1.300 cc com 49 cv e 9,3 mkgf (brutos). Mesmo empregando a carburação dupla, seu desempenho era deficiente: 0-100 em 32,9 s e final de 118 km/h. Isso fez com que a demanda fosse pequena, pois seu uso compensava apenas pelo preço do álcool, subsidiado na época. Assim, o 1.6 a gasolina continuou tendo a preferência, mesmo entre as Brasílias 4 portas.
Brasília LS 1980, 4 portas, versão top de linha (Foto: Alexandre Thomaz)
Mas, a grande novidade de 1980, foi a possibilidade de encomendar a Brasília 4 portas na luxuosa versão LS. Apesar de a mecânica ser a mesma, as diferenças para a linha “Standard” começavam externamente, na moldura grafite dos faróis, frisos na caixa de ar, para-choques cromados com proteção de borracha e vidros esverdeados.
Painel completo para a versão LS (Foto: Alexandre Thomaz)
Já internamente, o painel era completo e havia um porta objetos junto à marcha. Os bancos vinham de série com encosto para cabeça e eram acabados na combinação de courvin/tecido.
Interior acarpetado da Brasília LS, na versão 4 portas. Bancos na combinação marrom, opcionais da linha LS (Foto: Alexandre Thomaz)
As portas também eram revestidas em courvin, adornadas de frisos inox, e com detalhes acarpetados, embora, as alças continuassem substituindo o descansa-braço. O assoalho, forrado de carpete, dava ainda mais conforto e luxo ao interior. A proteção acústica foi melhorada e o nível de ruído, no interior, diminuiu, quando comparado com a “Standard”.
Nas portas revestidas em courvin, detalhes de carpete e frisos (Foto: Alexandre Thomaz)
Além do acabamento monocromático preto, mais comum, também existia a rara opção da cor marrom, que podia combinar com a carroceria, como no caso da Brasília LS das fotos.
Em 1981, não houve grandes mudanças para a linha Brasília 2 e 4 portas. O fim do modelo já estava no horizonte, por concorrer na mesma faixa de mercado que o Gol, lançado em maio de 1980 e no qual a VW depositava grandes esperanças.
Novo volante, do Gol, na linha 81 (Foto: Tiago Oliveira).
De novidade mesmo, apenas a nova lanterna traseira com lentes tricolores, algumas cores no catálogo, ligeiras modificações na forração dos bancos e a introdução de um novo volante, em V invertido e miolo quadrado, com o lobo de Wolfsburg ao centro, emprestado do próprio Gol. Houve outro esforço da VW para reduzir o ruído interno e a Brasília ficou ainda mais silenciosa.
Devido à atualidade do projeto e a boa demanda, havia polêmica dentro da Volkswagen sobre qual modelo, Fusca ou Brasília, deveria acabar. No final, prevaleceu a confiança no Fusca, e, em março de 1982, a produção da Brasília foi encerrada, para ambas as versões, 2 e 4 portas.
O Chevette foi o principal concorrente da Brasília no segmento dos compactos 4 portas (Foto Revista Quatro Rodas nº 230)
A Brasília 4 portas foi bem aceita em seu nicho e se tornou figura presente nos pontos de táxi e estacionamentos de órgãos públicos nos anos 1980. Além dos taxistas, era preferida, principalmente, por famílias atraídas pelo conforto das portas traseiras. Até porque, as opções 4 portas de pequeno porte, eram escassas nessa época.
Usadas na praça, de forma intensiva, a maioria das Brasílias 4 portas teve a vida útil reduzida e muitas saíram de circulação mais cedo do que as equivalentes 2 portas, de uso particular, justificando a raridade desse modelo, hoje em dia.
Apesar do lugar especial que os VW refrigerados a ar ocupam no antigomobilismo brasileiro, poucas pessoas conhecem ou já viram essa versão da Brasília. Por isso, são peças extremamente cobiçadas nas coleções, e têm a maior importância na história da linha, por serem exceção, numa época dominada pelos modelos duas portas.
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