Estes dias eu estava dando uma olhada numa pasta com documentos e catálogos da Volkswagen alemã que eu tinha recebido do saudoso amigo alemão, o Ebehard Schmidt. A mãe dele era acionista da Volkswagen AG e recebia todos os catálogos e circulares da fábrica, e quando ela faleceu ele levou um bom tempo para liberar a casa que ela morava; e ele teve a gentileza de separar alguns catálogos e documentos para mim. Na época eu morava na Alemanha e estava fazendo o meu segundo estágio por lá, estávamos no início da década de 1990.
Um deste catálogos será o mote desta coluna. Trata-se do catálogo cujo título original é “Der Käfer und seine Nachkommen” (O Fusca e seus descendentes), publicado em setembro de 1969 e ao abri-lo logo me veio o título da matéria: “Deu água na boca!”.
Em 1969 por aqui não se tinha noção do que estava ocorrendo na Alemanha, e será que hoje nós já sabemos o que era feito lá naquela época? No Brasil o Fusca era 1300 e para lembrar de sua divulgação no Brasil, aí vai um folheto datado de abril de 1969:
Tampouco se sabia quais os mimos que havia, por exemplo, a opção de se ter câmbio semiautomático em quase todos os modelos por “módicos” de 400 a 800 marcos alemães (aproximadamente de 100 a 200 dólares americanos em valores da época) de acréscimo,dependendo do tipo de carro.
Por aqui câmbio automático ainda era um negócio execrado pela maioria dos consumidores, pois a voz corrente era que este tipo de câmbio só dava problemas… Mesmo na Alemanha a alternativa de câmbio semiautomático não era lá muito popular, mas para a exportação era necessário se poder oferecer esta comodidade, em especial para os Estados Unidos.
Na fotografia de abertura estão todos os veículos que aparecem neste catálogo juntos, à exceção da Kombi Westfália.
Vamos para a primeiras duas páginas internas. E o título é: O Fusca. Caso você não queira um carro grande. Mas um que anda, que anda, que anda*:
Destaques dos classificados
As três alternativas disponíveis de Fusca. Detalhe para a manutenção do modelo 1200 que no Brasil não existia mais, e que continuou disponível na Alemanha (exigência de mercado) até depois de 1978, já com carros vindos do México. Note o para-choque mais simples do 1200. Tudo se passa num cenário popular, numa esquina qualquer
O catálogo ressalta várias das qualidades do Fusca, como, por exemplo, que os bancos dianteiros tinham um ajuste em 24 posições. O Fusca 1500 vinha com freio a disco na frente. Eram fornecidos Fuscas com motor 1200 de 34 cv, 1300 com 40 cv e os 1500 com 44 cv. Este último podia ser equipado com câmbio semiautomático, que vinha com a suspensão traseira de braço semiarrastado em vez de semieixo oscilante.
As próximas duas páginas tinham o título: Os VW Karmann. Se preferir ser desportivo. E também estar um pouco mais perto do sol:
Os carros montados pela Karmann, de Osnabrück, para a Volkswagen. Um ambiente de praia e de liberdade ao pôr do sol
Este catálogo vendia os carros montados pela Karmann para a Volkswagen; isto incluía o Fusca cabriolé – o único com quatro lugares nesta classe de preço. Os Karmann-Ghia eram oferecidos como carros esportivos que eram fornecidos tanto como cupês ou cabriolés. O catálogo ressalta, entre outros aspectos, a qualidade da vedação da capota escamoteável dos cabriolés. Todos os três modelos tinham motor 1500 com 44 cv e podiam vir com câmbio semiautomático que fazia par com a suspensão traseira de braço semiarrastado.
Passando para as próximas duas páginas temos: Os VW1600. Se você deseja que ele seja mais espaçoso. Mas não quer desistir de um VW:
Os carros da série VW 1600: “Notchback” – sedã de 3 volumes – e os “Fastback” – TL, como eram conhecidos nos EUA.O ambiente é classe média com um piquenique no campo
A descrição fala do chassi de um carro esportivo — com suspensão traseira de braço semiarrastado, do motor arrefecido a ar com dois carburadores, da pintura por eletroforese, do freio a disco na dianteira com sistema de freio de duplo circuito hidráulico. Os bancos dianteiros permitem ajuste em 49 posições.
Esta linha é composta por carros de três volumes e carros fastback (TL), que podiam ser fornecidos em versões standard ou luxo. Existiam dois motores: com 45 cv ou com 54 cv. A versão de 54 cv podia ser fornecida com câmbio semiautomático ou com injeção eletrônica; ou com ambos.
Adiante vemos estas duas páginas: Os VW 411 E. Se você ama o luxo. Mas espera um pouco mais de um carro:
Os carros da série VW 1600: “Notchback” – sedã de 3 volumes – e os “Fastback” – TL, como eram conhecidos nos EUA. O ambiente é classe média com um piquenique no campo
Como este tipo de carro é muito pouco conhecido por aqui, apresento a tradução da íntegra do texto desta parte do catálogo:
O VW 411 E é um carro de tamanho médio, como nenhum outro:
Ele tem o luxo de um sedã de luxo. O chassi de um carro esportivo. Mais reservas de segurança do que as exigidas por lei. Espaço interno de uma limusine. E um acabamento pelo qual a VW é famosa.
É por isso que o VW 411 E tem um acabamento elaborado, mesmo lá quando você não vê isso à primeira vista.
Por exemplo, o VW 411 E tem quatro portas, é completamente acarpetado e até mesmo seus compartimentos de bagagem são revestidos, tem bolsas nas portas, uma prateleira na frente do banco do motorista e um apoio de braço central traseiro, o que talvez seja óbvio para um carro de luxo.
Mas em que carro você pode encontrar bancos anatômicos que não só podem ser ajustados para a frente e para trás, mas também em altura?
E em qual outro carro você encontra um sistema de aquecimento regulado por termostato que funciona mesmo quando o motor não está funcionando?
E nem todos têm um sistema de ventilação tão versátil com ventilador de dois estágios. E uma ventilação forçada sob a janela traseira.
O VW 411 E tem um motor traseiro de 80 cv com injeção de gasolina controlada eletronicamente.
Essa é a maneira mais rápida e divertida de se dirigir um carro VW: 155 km/h.
O conceito de suspensão desportiva do VW 411 E inclui suspensão traseira de braço semiarrastado, suspensão dianteira McPherson, barras estabilizadoras dianteiras e traseiras, e pneus radiais.
O que o torna tão seguro não são apenas o sistema de freio de circuito duplo, os freios a disco dianteiros e as precauções de segurança habituais da VW: o VW 411 E tem uma carroceria monobloco de segurança com uma célula de passageiros rígida e zonas de sacrifício na frente e atrás. Em um impacto violento, as partes dianteira ou traseira do carro “se encolhem” como o fole de uma sanfona. E com isto absorvem boa parte do impacto.
O VW 411 E está disponível com duas ou quatro portas, nas versões normal ou luxo.
Você também pode tê-lo com câmbio automático.
Chegaram as páginas das peruas: As VW Variant. Caso você tenha uma família grande ou tenha outros hobbies:
Nesta seção foram colocadas as duas versões de Variant, a pertencente à versão VW 1600 Variant (Tipo 3) e a VW Variant 411 E. O cenário é de aeromodelismo, que exige espaço e capacidade de carga para transporte dos aviões em escala (aeromodelos) e de toda a tralha necessária
Aqui eu também achei interessante traduzir o texto original, em especial em função das capacidades volumétricas de carga nele indicadas:
Se uma Variant é mais bonita do que um sedã, é uma questão de gosto.
Nos foi confirmado 700.000 vezes que ela é mais prática. Por famílias com crianças. Por comerciantes para quem Variant é uma ferramenta de trabalho cinco dias por semana. E por pessoas que têm passatempos que são volumosos e pesados
Para eles, a VW Variant 1600 é perfeita.
Porque ela tem uma capacidade de bagagem totalizando 790 litros. Rebatendo o encosto do banco traseiro esta capacidade aumenta para 1.330 litros.
Se você ignorar este espaço de bagagem invulgarmente grande, a VW Variant 1600 é um sedã normal. Com tudo o que os sedãs VW 1600 têm.
Porque não mudamos o conceito. Mas a forma.
A VW Variant 411 E é o modelo maior para todos que acham que a VW Variant 1600 é muito pequena. E ela também é a única alternativa para aqueles que querem mais luxo.
Sem renunciar a um VW.
A construímos segundo o mesmo princípio que todos os VW 411 E. Com as mesmas características de dirigibilidade. E o mesmo conforto. Mas com um compartimento de bagagem, que não ainda havia em uma VW Variant 1600 neste tamanho.
Você pode imaginar que ela por carregar 930 litros de bagagem? E se isso ainda não for o suficiente para você, você pode aumentar esse espaço de bagagem para 1.610 litros. Rebatendo o encosto do banco traseiro.
Você não acha que esta variante de nossa Variant é bem grande?
A VW Variant 1600 está disponível nas versões normal e luxo. Com 45 cv ou 54 cv. Você pode obtê-la com câmbio semiautomático, ou com injeção eletrônica de combustível, ou ambos.
A VW Variant 411 E está disponível de série com injeção eletrônica de combustível e 80 cv. Você também de adquiri-la com câmbio automático.
VW-Porsche–Vertriebsgesellschaft mbh
Logo da VW-Porsche-Vertriebsgesellschaft mbh, que era usado nos VW Porsche 914
Antes de passar para as duas páginas seguintes é necessário dar um esclarecimento, pois observando a foto de abertura desta matéria os atentos leitores e leitoras deverão ter estranhado a presença de um Porsche 914, o “Volksporsche” (apelido dado pela imprensa especializada e que não caiu muito bem para o produto), e de um Porsche 911 num catálogo da Volkswagen…
Em abril de 1969, Porsche AG juntamente com a antiga Volkswagenwerk AG fundaram a “VW-Porsche-Vertriebsgesellschaft mbh” que vamos traduzir como Distribuidora VW-Porsche. Dotada com um capital social de cinco milhões de marcos alemães, a nova empresa preparou uma estratégia bem-sucedida para a distribuição e venda de dois carros esportivos, que na época ainda estavam ocultos do público: o VW Porsche 914 e 914/6.
Em meados dos anos sessenta, a VW procurava um sucessor para o seu cupê esportivo que já estava envelhecendo, o Tipo 34, mais conhecido como “Karmann Ghia”. Enquanto isto a Porsche pretendia expandir sua posição de mercado com um carro esportivo no segmento promissor abaixo do 911. Neste contexto, Ferry Porsche e o chefe da Volkswagen, Heinrich Nordhoff, acordaram em fazer uma cooperação fundando esta empresa na primavera de 1966.
A Porsche recebeu da Volkswagen o contrato para o desenvolvimento de um carro esporte de baixo custo, que seria oferecido com um motor boxer de quatro cilindros a ser vendido como Volkswagen e um boxer de seis cilindros a ser vendido como Porsche.
No dia 11 de setembro de 1969, no IAA – Salão Internacional do Automóvel de Frankfurt, o VW Porsche 914 foi apresentado como sendo o primeiro carro esporte alemão com motor central. Com isto este carro foi um dos lançamentos apresentados neste catálogo.
Três estranhos no ninho, mas não tanto: um VW Porsche 914, um 911cupê e outro 911 Targa
Neste caso eu também optei por traduzir o texto do catálogo, já que suas informações são interessantes:
Vamos começar com o novo VW Porsche 914.
Foi desenvolvido num trabalho conjunto entre a VW e a Porsche e é um dos primeiros carros esportivos a dispor de um motor central que lhe dá uma ótima dirigibilidade.
Ele também tem um conceito de carroceria que não é menos incomum: ele é um cupê e um conversível ao mesmo tempo. E tem dois compartimentos de bagagem: na frente com 210 litros e na traseira com 250 litros.
Ele vem de fábrica com um arco de proteção para o caso capotagem e com um interior que atende aos mais recentes padrões de segurança.
O VW Porsche 914 está disponível com um motor de 4 cilindros a injeção de 1,7 litro e 80 cv.
Ou com um motor de 6 cilindros a carburador de 2 litros e 110 cv.
É o que podemos dizer aqui sobre o VW Porsche 914.
Maiores informações sobre este carro poderão ser fornecidas pelos revendedores da Distribuidora VW-Porsche, bem como por todos os revendedores da VW.
Também sobre o novo Porsche 911. Nosso carro esportivo mais bem-sucedido. Ele agora tem um motor de 2,2 litros, tornando-os ainda mais forte e rápido.
Os novos dados técnicos são:
Porsche 911 T, 125 cv a 5.800 rpm, velocidade máxima 205 km/h, 0-100 km/h em 10,0 seg.
Porsche 911 E, 155 cv a 6.200 rpm, velocidade máxima 220 km/h, 0-100 km/h em 8,0 seg.
Porsche 911 S, 180 cv a 6.500 rpm, velocidade máxima 230 km/h, 0-100 km/h em 7,2 seg.
Mas com um motor mais forte você poderá dirigir muito melhor também em velocidades mais baixas. O motor tornou-se mais elástico devido ao torque mais elevado e se adapta ainda melhor ao tráfego urbano.
Além disso, o Porsche 911 tem uma direção responsiva, freios a disco ventilados, faróis halógenos de série e muito mais, o que torna esses carros igualmente bem-sucedidos seja em corridas ou nas estradas.
Este programa de carros esportivos é distribuído exclusivamente pela recém-criada Distribuidora VW-Porsche.
Vamos chegando ao fim deste interessante catálogo, com outro lançamento de 1969 que foi o VW 181: O VW Camping e o VW 181. Se você deseja ver a paisagem não só da estrada:
A versão moderna do Kübelwagen (jipe leve da II Guerra Mundial), o VW 181 (apelidado de “The Thing” – A Coisa – nos EUA) e uma Kombi transformada para camping pela Westfalia. A ambientação é uma cena de caçada com um animal abatido sobre o capô dianteiro do jipe
Nesta última página é dada descrição da Kombi Camping, com todos seus acessórios e características.
Quanto ao VW 181, é ressaltada a altura livre do solo e a capacidade de vencer gradientes de 55% com seu motor de 44 cv. Apresenta o seu para-brisa que pode ser dobrado para frente, sua cobertura de lona e as janelas de encaixar.
Nota: o dito automático que nem sempre é realmente automático
Embora o catálogo não entre neste detalhe, pois as duas soluções existentes na época, o Automatic Stick-Shift e o câmbio automático de 3 marchas, foram indicadas de uma maneira simplificada como “câmbio automático”, acho que vale a pena esclarecer este ponto. Veja na tampa do motor do Fusca na foto abaixo o dístico “Automatic StichSift”:
O Automatic Stick-Shift era uma solução que unia um câmbio manual (3 marchas para frente L, 1 e 2 + R) acoplado a um conversor de torque, tornando a embreagem desnecessária e oferecendo uma comodidade semelhante à de um câmbio automático. Este tipo de câmbio podia equipar os Fuscas (inclusive os cabriolés), Karmann Ghias (inclusive os cabriolés), VW 1600 Sedan (Notchback), VW 1600 TL (Fastback) e o VW 1600 Variant (Squareback). E para fins do catálogo em questão este era um câmbio automático.
Já os carros da linha VW 411 podiam ser equipados com um câmbio realmente automático epicíclico desenvolvido especialmente para carros médios europeus. Tinha 3 marchas para frente, sendo o “Drive” (dirigir normal) a posição 3 da alavanca seletora (1ª, 2ª e 3ª), a posição 2 (1ª e 2ª), e a posição 1 (só 1ª). O quadrante mostrava as demais posições habituais P, R e N. Abaixo a página do catálogo do VW 411 detalhando o câmbio automático:
Esta frase em alemão remete a uma propaganda muito famosa que diz que o Fusca anda, e anda, e anda… e que se tornou um mote quando se fala de Fusca por lá. Abaixo o vídeo, em alemão, mas basta ver a quantidade de vezes que é repetido läuft, und läuft, und läuft, und läuft…:
É surpreendente o que pode se esconder num catálogo da Volkswagen alemã de 1969, o trabalho do pessoal de propaganda foi muito bem feito, em especial na ambientação das fotos conforme o segmento ao qual os carros eram dirigidos. Em muitas de minhas matérias anteriores eu publiquei catálogos completos e a sua leitura geralmente é muito interessante, quem sabe se pode fazer o raio-x de outros catálogos no futuro. Aceito sugestões.
Sim, eu fiquei com água na boca ao examinar este catálogo com mais atenção e fico me perguntando: será que os caros leitores e leitoras desta matéria também ficaram com água na boca?
Acabei ficando curioso para saber a comparação do preço do Fusca 1300 alemão com o nosso fusca 1300 em 1969. Obter os dados não foi lá muito fácil e o resultado dos cálculos é bastante aproximado, mas vale para a comparação que eu queria fazer.
O preço do 1300 alemão está no catálogo e era DM 5.197,00 (DM=Deutsche Mark – marco alemão). Pesquisei a taxa para o dólar no fim de 1969 que era US$ 1,00 = DM 4,00, portanto um Fusca 1300 alemão valia US$ 1.299,25 – MADE IN GERMANY
Com a ajuda do Hugo Bueno e de sua coleção de revistas antigas, conseguimos o preço de um Fusca 1300 em dezembro de 1969 que era de NCr$ 11.281,00 (NCr$ – cruzeiro novo). A taxa de câmbio que obtive foi de agosto de 1969, que resulta no custo aproximado do Fusca 1300 brasileiro de US$ 2.753,00 – MADE IN BRAZIL.
Mesmo considerando a grande aproximação deste cálculo dá para ver que o Fusca brasileiro era bem mais caro que o alemão e estava em um estágio evolutivo mais atrasado. É uma tendência que já existia há muito tempo e que continua a existir.
Agradeço ao Hugo Bueno pela ajuda com o valor do Fusca. Também agradeço ao Fábio von Sydow Loureiro pelas imagens de catálogos VW brasileiros de 1969 – ele tem uma das maiores coleções de catálogos VW vindos de todo o mundo que eu conheço. Também agradeço ao Ebehard Schmidt in memoriam.
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