Uma pequena fábrica nos arredores de Moscou produz apenas cinco ou seis motocicletas com sidecars por dia. Entre os compradores estão celebridades como Brad Pitt e Steven Tyler, mas curiosamente, as vendas dessas motos são um fiasco na Rússia
Na estrada em algum lugar da Califórnia, uma moto vermelha brilhante passa veloz como se saísse de um filme clássico. Sobre ela está um homem corpulento, de barba e, ao lado, no carrinho lateral, a cadelinha Gracie. Ela não está usando capacete, mas está de óculos. Gracie já tem oito anos, e, por isso, experiência o suficiente para sentar-se na cadeira sem se mexer.
“Ei Gracie, quer voar?”, questiona o homem e, por apenas alguns segundos, ele inclina a moto para o lado, andando apenas nas rodas da moto. No começo, Gracie parece um pouco ansiosa, mas em pouco tempo, surge uma expressão de contentamento nos olhos.
É assim que a até mesmo Gracie, da raça boiadeiro-australiano, curte seus passeios sobre a Ural, a motocicleta russa mais famosa do mundo – exceto na Rússia.
Oportunidade na crise
Os moradores de Irbit, uma cidadezinha na região de Sverdlovsk fundada em 1631, sempre mantiveram uma rotina agitada com as feiras de negócios. Na década de 1930, Irbit evoluiu de cidade comercial para cidade industrial. Primeiro foi construída uma fábrica para produção de tijolos e, mais tarde, uma planta de fabricação de máquinas para extração de turfa.
Durante a Grande Guerra Patriótica, foi para a Irbit que a fábrica de motos — que ainda não era conhecida como Ural e até então tinha sede em Moscou — acabou sendo transferida.
M-72, primeiro modelo foi militar
“O primeiro lote de motos militares ficou pronto em 21 de novembro de 1942 e, em fevereiro, os soldados deixaram Irbit sobre motocicletas”, contou Aleksandr Bulanov, diretor do Museu Estatal da Motocicleta de Irbit, em entrevista à agência TASS. Nos anos da guerra, mais de 9.000 motocicletas foram produzidas. O modelo usado pelos militares era denominado M-72. O novo nome, Ural, em homenagem à região geográfica russa, só foi cunhado em 1962 – e foi com esse nome que as motocicletas ficaram conhecidas na União Soviética e no exterior.
Fachada da Fábrica Ural em Irbit
Destaques dos classificados
Antes da década de 1990, a fábrica produzia 130 mil motocicletas por ano para o mercado nacional e contava com cerca de 10 mil funcionários. Após a queda da URSS, veio a crise na fábrica. Seu nome mudou várias vezes, mas, no início do século 21, a empresa foi à falência.
Kakha Bendukidze, ex-proprietário da fábrica (desde 1998), decidiu vender a Ural, mas os únicos compradores dispostos a comprá-la eram os membros da gerência da fábrica.
“Eu e meus colegas Vadim Triapitchkin e Dmítri Lebedinski”, disse Iliá Khait, um dos atuais coproprietários da fábrica, em entrevista ao Afisha Daily.
Exportando Urais
Os novos proprietários não só conseguiram ajustar a produção em 2015, como produziram 1.755 motocicletas já no primeiro ano; no entanto, todos os modelos foram destinados à exportação – Japão, EUA, Europa, Canadá e Austrália.
“Percebemos logo que o mercado russo não era promissor para esses tipos de motos e queríamos competir com marcas globais. Mas, para isso, tivemos que mudar quase totalmente o nosso processo de produção. Os atuais modelos da Ural não possuem as características da moto antiga. É tudo sobre as demandas dos mercados estrangeiros”, explicou Khait.
Fabricação da Ural
Os funcionários fabricam as peças da carroceria, chassis e motores na fábrica, segundo Vladimir Kurmatchev, diretor-executivo da Fábrica de Motocicleta de Irbit (IMZ). Freios, caixas de câmbio e outras peças são compradas no exterior.
O volume de produção de motos Ural também diminuiu significativamente. Hoje, a fábrica tem apenas 150 funcionários, que montam de cinco a seis bicicletas personalizadas por dia.
Atualmente são produzidos dois modelos clássicos de motocicletas: Ural CT e Gear Up. Além disso, todos os anos a empresa lança coleções limitadas de suas motos – por exemplo, na cor do Lago Baikal, ou inspirada na natureza da Península de Iamal, no Extremo Oriente.
O motor da Ural CT tem 745 cm3, trem de força de 41 HP, velocidade máxima de cruzeiro recomendada de 110 k/h e é vendido com tração traseira.
O Gear Up possui quase os mesmos recursos, com exceção do tamanho da roda. Este é considerado o carro-chefe da fábrica, já que é a única moto do mundo com tração integral. O kit transmissão pode ser acoplado ao sidecar durante a montagem, tornando a moto a escolha ideal para off-road.
A Ural CT é comercializada por 821 mil rublos (aproximadamente R$ 60 mil), enquanto a Gear Up custa 962 mil rublos (cerca de R$ 70 mil).
Popularidade global
A Ural conta com quatro revendedores na Rússia – e cerca de 50 nos EUA. Nos anos 2010, paparazzi clicaram o ator Brad Pitt e o vocalista do Aerosmith Steven Tyler sobre Urais.
O ator Brad Pitt e sua Ural com sidecar 2012
Segundo Vladimir Kurmatchev, o ator Ewan McGregor também tem dois modelos da Ural, uma com sidecar e outra sem. “Noventa e nove por cento de nossas motocicletas são exportadas; No ano passado [2019 – nota do Editor], vendemos só 45 no mercado interno.
No entanto, em sua opinião, a razão para a popularidade das motos russas no exterior é seu design incomum, que “jamais deve ser mudado sob nenhuma circunstância”.
“Se removermos as etiquetas das motocicletas, um olho destreinado seria dificilmente capaz de determinar qual modelo é qual. Mas uma Ural é inconfundível”, disse Kurmatchev em uma entrevista ao canal de TV Rossiya 24 em 2017.
Iliá Khait, também coproprietário da fábrica, acredita que as Urais são populares no exterior devido ao sidecar, que pode ser destacado da moto. “A idade média dos proprietários de motocicletas Ural atualmente é entre 50 e 53 anos. Normalmente, são motociclistas experientes, que descobriram um meio de transporte único: uma moto com carro lateral. A Ural difere na relação entre motoristas e passageiros. É uma viagem que você compartilha com alguém.”
Na Rússia, no entanto, a moto é pouco popular devido ao alto custo e também porque muitos fãs dos modelos soviéticos anteriores são contra qualquer modificação, acredita Khait. “A Ural está se adaptando ligeiramente a todas as necessidades”, defende.
Em Paris e Barcelona, há excursões turísticas sobre Urais. Os turistas transportam suas pranchas de surfe nelas, e uma cafeteria em São Petersburgo encomendou uma moto como “barraca móvel de café expresso”.
Além do mais, os modelos da Ural são capazes de cruzar passagens em montanhas, desfiladeiros e desertos, sem falar nos habituais off-road e estradas cobertas de neve. Sua operacionalidade em qualquer condição é outro motivo pelo qual os clientes nos Estados Unidos estão dispostos a desembolsar US$ 10 mil ou mais, segundo Gene Langford, um dos primeiros revendedores da Ural nos EUA na década de 1980.
“As Urais podem ser usadas no inverno e no verão, inclusive em terrenos acidentados. O sidecar pode ser utilizado como porta-malas, ou você pode colocar crianças ou animais de estimação. Assim, as Urais acabam sendo o transporte perfeito para a aventura e até mesmo como um meio de transporte pouco visto”, conclui o revendedor.
Texto: Victoria Riabikova – Russia Beyond
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