Funcionário da Willys, hoje com 93 anos, Miguel Lustosa conta como criou por acaso um sistema de cotas para a venda de Jeeps para os trabalhadores da fábrica de Taubaté
A trajetória do aposentado Miguel Lustosa, de 93 anos, se mistura com a história da indústria automobilística no Brasil e a fomentação do sistema de consórcio, uma modalidade de acesso ao mercado de consumo por meio da cooperação e a união de pessoas.
Mas para contar essa história vamos viajar no tempo e voltar para o ano 1957. Lustosa era chefe de contas a pagar na multinacional Willys- Overland do Brasil, em São Bernardo do Campo-SP, e na época recebeu um convite da empresa para trabalhar em Taubaté, no interior paulista.
O primeiro motor nacional
Na montagem, Lustosa (atualmente com 93 anos) e a linha de montagem do Jeep
Com o desafio de assumir o comando da fábrica Máquinas Piratininga S/A, que tinha sido recentemente comprada pela Willys, Lustosa criou a primeira linha de produção de motores a gasolina para carros no Brasil. Até então, os motores utilizados no Jeep CJ3B era importado e apenas montado no Brasil.
O motor levou quase três anos para ficar pronto. Em cada motor produzido saía gravado ‘Fabricado em Taubaté’. “Era do Brasil para todo o mundo, incluindo EUA e países da Europa”, disse Lustosa.
O consórcio surgiu pelas mão de Lustosa
Em 1960, um grupo de funcionários da unidade de Taubaté, que sabia do contato e prestígio de Lustosa com a diretoria em São Paulo, o fez um pedido inusitado: cada um deles queria comprar um Jeep com maior facilidade de pagamento. Lustosa foi então até à Capital para conversar com o diretor e tesoureiro Paulo Lacerda Quantim Barbosa.
“Peguei um papel almaço e fiz uma lista com 20 nomes de funcionários. Tínhamos engenheiros, ajudantes de produção, profissionais de laboratório, entre outros. Até eu entrei no grupo. Expliquei sobre o pedido ao senhor Paulo e disse ainda que os funcionários vestiam a camisa da empresa e tinham esse desejo de ter um modelo do Jeep”, disse.
Lustosa explicou que a ideia da ação entre amigos era ratear o valor de um carro por mês, facilitando a aquisição. O pedido foi atendido pela diretoria. “Todo mês eu escrevia os nomes dos ‘consorciados’ em papeizinhos e os colocava dentro de um chapéu para fazer o sorteio. Era algo solidário e deu certo”, disse.
Destaques dos classificados
Nesta época entraram em cena dois importantes amigos de Lustosa, que começaram a trabalhar na fábrica: José Wilmar de Mello Justo, de Taubaté, e Orlando Penarolli, de São Paulo. Juntos, eles ampliaram a ideia do consórcio fazendo pedido de mais 30 Jeeps e na sequência, outros 60.
“Eu conto isso com alegria. O Wilmar e o Orlando vieram trabalhar comigo. Eram ótimos profissionais e juntos vimos que esse formato, que ganharia o nome de consórcio, era vantajoso para que todos conseguissem conquistar o sonho de ter o carro próprio, sem falar que não tinha cobrança de juros como os financiamentos por meio de bancos, que na época era inacessível a grande parte da população”, afirmou.
Consórcio Nacional Willys
O que eles não imaginavam era de que a ideia de se juntarem para conquistar um bem se transformaria num embrião para a criação do Consórcio Nacional Willys, para toda a gama de modelos, em julho de 1965. “Não imaginávamos que tudo isso daria certo. Fico contente por lembrar de cada detalhe e todas as conquistas, que conseguimos ao longo dos anos”, contou.
Propaganda do Consórcio Nacional Willys publicado na Folha de S.Paulo, em junho de 1967
Lustosa explicou que foi a partir da ação entre amigos que o consórcio foi instituído como uma importante ferramenta para a concretização de sonhos. Não demorou muito para a Willys-Overland do Brasil ter cerca de 58 mil consorciados em sua carteira de clientes. Portanto, o consórcio teve sua origem ligada diretamente à indústria automobilística, e durante muito tempo foi o automóvel seu único produto.
Com sua popularidade, o desenvolvimento do consórcio fez surgir a necessidade de se criar uma entidade que representasse o setor, a ABAC (Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios). A modalidade também despertou o interesse de outros países da América Latina como Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, México e Venezuela.
Depois dos automóveis, o mecanismo ampliou seus produtos, constituindo os primeiros grupos de caminhões. No final dos anos 1970 e início da década de 1980, surgiram consórcios de televisores, videocassetes e eletrodomésticos. Depois foram criadas cartas de crédito para imóveis, motocicletas, máquinas agrícolas e viagens, por exemplo.
Texto e fotos: Pilares Relações Públicas
Edição: Fernando Barenco
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