Colunista Convidado

A história de Arno Berwanger, o “Rei do Galaxie”

Rei do Galaxie

Apaixonado pelo modelo, ele foi o maior revendedor do Ford Galaxie no país e criou seu próprio museu

O Ford Galaxie foi — e continua sendo — um “grande carro grande”, e com isso todos os seus admiradores concordam, sejam eles jovens ou veteranos. Mas certamente ninguém teve tanta convivência e intimidade com o modelo quanto o saudoso empresário Arno Henrique Berwanger, de Novo Hamburgo (RS), que na década de 1980 chegou inclusive a ficar conhecido como “Rei do Galaxie”. Sempre falante e bem-humorado, ele era a maior lenda-viva da história do Ford Galaxie no Brasil. Mas esse título informal e a fama não vieram ao acaso. Arno foi, na condição de titular de um distribuidor Ford, o maior vendedor de Galaxie do país, uma atividade que, como ninguém, sabia exercer com arte, talento e um entusiasmo contagiante.

Rei do Galaxie

A Concessionária Novocar chegou a ser responsável por 8% das vendas de Galaxies no Brasil


Nascido em 14 de junho de 1927, o gaúcho Arno Henrique Berwanger foi caminhoneiro no final dos anos 1940 e início da década seguinte, transportando para São Paulo e Rio de Janeiro os calçados produzidos na região do Vale dos Sinos. Em dezembro de 1952 abandonou a estrada e montou, em sociedade com o irmão, uma oficina mecânica. No decorrer dos anos, associando as atividades da oficina à sua grande vocação de vendedor, Arno começou a vender, em Novo Hamburgo e arredores, veículos da Willys-Overland do Brasil, cedidos por revendedores de outras cidades. Até que surgiu a oportunidade de tornar-se sócio da Novocar, então revendedor Willys em Novo Hamburgo. Vendeu para o irmão a sua participação na oficina, e com a disposição de sempre assumiu a Novocar. Aos poucos, foi adquirindo as cotas dos outros sócios, até ficar integralmente com a concessionária. Foram anos difíceis, recordava ele.

Assim nasceu o “Rei do Galaxie”

Em abril de 1967, a Ford lançou no mercado brasileiro o Galaxie 500, um modelo grande e luxuoso, com motor V8, muito conforto e maciez ao rodar. Naquele mesmo ano, a Willys foi incorporada pela Ford, e muitos dos revendedores tornaram-se então distribuidores Ford, inclusive a Novocar. Isso representou um “prato cheio” para o empolgado comerciante Arno Berwanger, que já havia se encantado com o Galaxie desde a época do lançamento. E foi assim, unindo criação de oportunidade de bons negócios com amor ao produto, que iniciou-se a fama de “Rei do Galaxie” que Berwanger, com muito orgulho, levaria até o final da vida. Sofisticado e caro, o Ford Galaxie era considerado, por muitos distribuidores da marca, um tanto “difícil de vender”. Mas, para Arno, isso era um prazer. Costumava, por exemplo, deixar carros novos com os clientes, para que os experimentassem com a família durante o final de semana. Na segunda-feira, duplamente empolgados — com o veículo e com a maneira como Arno sabia conduzir uma boa conversa —, voltavam para fechar o negócio e ficavam com o carro. Novo Hamburgo, a 40 km de Porto Alegre, cidade rica e muito conhecida pelas indústrias de calçados, ganhou também a fama de “cidade dos mil Galaxie”.

A Novocar era a única revenda Ford no sul do Brasil a manter estoque permanente de 10 a 15 unidades, entre as versões Galaxie 500, LTD e Landau. Em determinadas épocas, a empresa de Arno chegou a responder por 8% (isso mesmo, oito por cento!) das vendas do modelo, em nível nacional. Por diversas vezes, foi necessário pedir mais veículos à fábrica, tamanha era a demanda. Muitos desses automóveis foram vendidos também em Santa Catarina, na região do Vale do Itajaí, principalmente em Blumenau. A exemplo do que ocorria no mercado gaúcho, Berwanger soube aproveitar as oportunidades que as revendas locais ignoravam. Dessa fase recordava também, com nostalgia, muitos lances pitorescos, que sempre terminavam com mais um carro vendido. Como aquele episódio ocorrido em fins de 1979, em que estava oferecendo um veículo novo ao proprietário de um modelo 1974, e durante a conversa descobriu que a mulher deste era prima de sua própria esposa. Na ocasião, acabou vendendo dois Landau. Nessa mesma época, a Ford estava por lançar o Landau modelo 1980, e cada distribuidor receberia inicialmente apenas uma unidade. Antecipadamente, Arno vendeu 18 carros (incluindo os dois citados), e ao solicitá-los à Ford perguntaram-lhe se não estaria doente.

O fim da linha para o Ford Galaxie

Berwanger criou também um inédito consórcio de Landau, vendendo todas as cotas em poucos dias. No início de 1983, um comunicado da fábrica deixou Arno profundamente triste. Com vendas totais em declínio, devido ao alto preço em meio à crise, o Landau deixaria de ser fabricado, o que veio a ocorrer ainda em janeiro daquele ano. “Acabaram com o meu brinquedinho”, lamentava ele. Mas não desanimou. Continuou a vender modelos usados, prestando também impecável assistência técnica aos carros em circulação.

Surge o Museu

Rei do Galaxie

E a paixão pelos Galaxies se transformou em museu


A sempre assumida paixão pelo luxuoso carrão da Ford fez com que Arno Berwanger criasse, em 1988, o “Museu do Galaxie”. Dessa vez, ele saiu a campo com outra missão: comprar Galaxies para formar o acervo. Alguns foram adquiridos ainda impecáveis, em zelosa conservação. Outros receberam reparos na pintura e eventualmente tiveram determinados componentes substituídos, para que ficassem rigorosamente perfeitos e com todos os detalhes originais.

Rei do Galaxie

Parte do maravilhoso acervo. À direita, em primeiro plano, o Landau Presidencial


O Museu foi instalado num amplo e bem iluminado salão anexo à Novocar, e algum tempo depois já abrigava 20 unidades. Do primeiro Galaxie 500, de 1967, eram oito carros, em cada uma das cores externas disponíveis na época. Apoiado na parede, ao fundo do Museu, um chassi do modelo 1967, com rodas e a mecânica completa, tudo funcionando. Logo à entrada do salão, o Landau 1982 que foi utilizado pela Presidência da República, tendo servido a Figueiredo, Sarney e Collor. Eram mostradas também algumas das mais representativas versões do Galaxie, exibindo aos felizes visitantes as mudanças estéticas e mecânicas ocorridas ao longo dos 16 anos em que o modelo esteve em produção. Entre elas, LTD 1970, Galaxie 500 1970, LTD Landau 1972, LTD Landau 1973, Galaxie 500 1974, Landau 1977, LTD 1979, e o Landau 1979 da Série Especial limitada a 300 unidades produzidas (foto principal), lançada naquele ano para comemorar os 60 anos da Ford no Brasil. Na exclusiva tonalidade vermelho-scala metálico, esse carro foi vendido pela própria Novocar quando novo, e recomprado ainda do primeiro proprietário, com apenas 27 mil quilômetros rodados.

Rei do Galaxie

O Landau zero permanecia coberto


Mais inédito ainda, porém, era o Landau modelo 1983 mantido zero-quilômetro. Na cor azul-clássico metálico, o carro ficava sempre coberto por uma capa de tecido, protegido da poeira. Foi removida a cera protetora da pintura (aplicada na fábrica para o transporte), as calotas continuavam guardadas no porta-malas, e o interior do Landau permanecia exalando cheiro de carro novo, com os plásticos originais ainda envolvendo o estofamento e para-sóis. No hodômetro, a comprovação: apenas 00010 quilômetros. Outra curiosidade: as placas dos carros. Por fazer aniversário no dia 14 de junho, todos os automóveis de Arno — do Museu (exceto o Landau zero, sem placas), e também de seu uso pessoal — recebiam placas com a numeração 0014 ou 1414.

Plástico nos bancos e 10 km rodados no odômetro


Despedida precoce

Arno exibia o Museu com satisfação e orgulho, e gostava de contar suas façanhas dos tempos áureos do Galaxie. Regularmente, ainda comprava e revendia Landaus usados. Nunca conformou-se totalmente com o fim da produção do carro, e seus olhos azuis brilhavam quando falava da grande paixão pelo automóvel. Sempre divertido e animado, continuava a fazer longas viagens, de preferência ao volante de seu outro Landau 1983, “de uso”. Mas em 1995, aos 68 anos, descobriu ser portador de um câncer. Rigoroso tratamento contornou o problema, que parecia ter sido eliminado. Infelizmente, entretanto, pouco mais de um ano depois a doença voltaria a se manifestar, exigindo novo tratamento de saúde. Bastante enfraquecido, vencido pelo câncer, Arno Berwanger faleceu na manhã de 12 de fevereiro de 1997, uma quarta-feira de cinzas, aos 69 anos de idade.

Arno e um Galaxie 1967. Na placa de licença, sempre o número 14


A Novocar e o Museu do Galaxie também não existem mais. Os carros que formavam essa bela coleção, porém, continuam sendo conservados individualmente por diversos apaixonados pela linha Galaxie, em vários lugares deste imenso País. E muitos outros, que algum dia foram vendidos através do trabalho prazeroso de Arno Berwanger, igualmente permanecem preservados com abnegada dedicação, alguns ainda ostentando a identificação “Novocar”, seja no adesivo do vidro traseiro, ou na plaqueta metálica estampada na traseira do imponente veículo.

Nesse cenário, repleto também de muitas e boas lembranças de todos aqueles que tiveram a honrosa oportunidade de conhecer o maior vendedor de Galaxie de todos os tempos, com certeza será mantida, até mesmo para as futuras gerações, a memória de uma lenda que estará eternamente ligada à própria história desse fantástico automóvel: a lenda do “Rei do Galaxie”.

Texto e fotos: Enio Brandenburg
(matéria originalmente publicada em 02/2017)

 

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