Repórter Maxicar

Há 60 anos o Gordini batia o Recorde Mundial de Resistência

Gordini

A largada aconteceu no dia 26 de outubro de 1964, no Autódromo de Interlagos. O popular Renault/Willys rodou durante 22 dias sem parar, num total de 51.233 km

São oito horas da manhã de segunda-feira, dia 26 de outubro de 1964. A bandeira quadriculada se agita à frente de um Gordini bege claro, que dá a largada em busca de recordes mundiais. A missão da Willys era clara: mostrar a qualidade, durabilidade e resistência do Renault Gordini, um dos populares mais queridos dos anos 1960.

Gordini

Propagandas da Willys depois do grande sucesso do desafio de 1964

O teste de longa duração, realizado no anel externo de Interlagos, Autódromo José Carlos Pace, tinha algumas metas a serem batidas: uma era a de percorrer, sem parar, 50 mil km, enquanto a outra era tomar o recorde mundial de uma prova deste tipo, até então de sete dias ininterruptos, pertencente à Ford inglesa. Com as metas batidas, eles foram além: para garantir mais três recordes — em decisão comum entre o chefe de equipe e os pilotos — a prova, que terminaria na noite do dia 16 de novembro, foi estendida por mais algumas horas, até o final da tarde do dia 17, já que o carro se encontrava em perfeito funcionamento e pronto para mais voltas. O evento foi encerrado na terça-feira, dia 17, após exatos 51.233 km rodados em 514 horas, 37 minutos e 14 segundos (22 dias).

Bird Clemente conta a experiência

Esse video, produzido pela Renault em 2014 para comemorar os 50 anos do recorde, o depoimento do piloto Bird Clemente, um dos protagonistas do feito, além de imagens do documentário “O Teimoso”, cuja íntegra está no final dessa matéria

O Gordini provava ali ao consumidor brasileiro sua capacidade, mesmo quando exigido ao máximo durante 22 dias sem parar, trafegando a maior parte do tempo perto de sua velocidade máxima, ao redor dos 118 km/h. Só para que se tenha uma ideia, a média horária após o teste, que teve paradas permitidas apenas para a troca de pilotos, reabastecimento, trocas de óleo, pneus e outros fluídos, foi de 97,15 km/h, com tempo de volta variando entre 1’51” e 1’55” com pista seca durante o dia.

Uma grande estrutura

Os investimentos para a realização do evento foram grandes. Além da reconstrução do asfalto de todo o anel externo da pista de Interlagos (3.213 metros na época), foram feitos, na área dos boxes, dormitórios, uma cozinha, refeitório, banheiros, sala de lazer, centro médico e até uma pista de autorama, que servia para o entretenimento dos integrantes do teste de longa duração.

Para o carro, uma bomba de combustível, igual a de postos, para encher seu tanque nas paradas, e uma rampa de inspeção, que permitia um exame da sua parte de baixo nos pit-stops. Sem contar, claro, um estoque considerável de óleo lubrificante, que era trocado a cada 2.500 km.

A equipe inteira, formada por mais de 100 pessoas dentre pilotos, cronometristas, mecânicos, técnicos e engenheiros, médicos e enfermeiros, cozinheiros, copeiras, seguranças e por aí vai…, ficou instalada durante os 22 dias nos alojamentos da pista. A estrutura funcionou por todo o período de duração do teste, mas no sábado, dia 24, dois dias antes da largada, algumas voltas foram dadas em caráter experimental, para ver se tudo estava de acordo (equipe de cronometragem, mecânicos, pista, sinalização etc.).

    Gordini:  valente Renault/Willys nacional

    Para o desafio, um Gordini foi escolhido ao acaso na fábrica da Willys

    O Gordini testado, com motor de 845 cm³ e carroceria pintada de bege-claro, não tinha nada diferente ou especial. Foi escolhido aleatoriamente na linha de produção da Willys-Overland do Brasil em São Bernardo do Campo – SP, por Paul Pierre Michel Massonet, comissário francês da FIA que veio ao Brasil especialmente para acompanhar o evento, para ter total isenção quanto a preparações mecânicas ou estruturais. Após a escolha do carro e a conferência quanto a sua normalidade (estava idêntico aos demais), jornalistas, pilotos, funcionários da Willys, Paul e outros participantes o assinaram na tampa do motor e capota.

    Além da troca dos pneus diagonais de fábrica por outros radiais (Pirelli Cinturato), por questões de segurança, nada mais foi alterado no carro. A FIA determinava, ainda, que todos os componentes de possíveis reparos e substituições fossem transportados no interior do Gordini durante a prova, assim como havia sido em testes anteriores homologados pela Federação.

    O timaço de pilotos da Equipe Willys

    Os feras da Equipe Willys de Competições

    No total, onze pilotos dirigiram o Renault Gordini durante os 22 dias de sucesso da maratona, se revezando a cada três horas de direção: Wilsinho Fittipaldi (piloto de F1, F2 e protótipos na Europa), José Carlos Pace (o “Moco”, campeão do GP do Brasil de F1 em 1975), Luiz Pereira Bueno (também da F1 e fundador da Equipe Hollywood), Bird Clemente (primeiro piloto profissional do Brasil), Luiz Antônio Greco (famoso dirigente das principais Equipes de competição automobilísticas do país), Chiquinho Lameirão (piloto nacional de monoposto e biposto), Carol Figueiredo (pioneiro no kart nacional), Vitório Andreatta (especialista em “carreteras”), Waldemyr Costa (também piloto de aviões da Varig), além de Danilo de Lemos e Geraldo Meirelles.

    O teste e seus incidentes

    Depois da largada no dia 26, passaram-se cinco dias de prova com períodos de chuva, mas ainda assim o Renault Gordini já havia dado mais de 3.200 voltas no anel externo de Interlagos e batido diversos recordes locais, estaduais e nacionais.

    No dia 31, aconteceu o inesperado: por conta da chuva, uma verdadeira corredeira de água com detritos de asfalto se formou na região da Curva Três, e Bird Clemente, que pilotava o carro naquele momento, se deparou com uma pista sem condições de aderência. O carro derrapou, e já na saída da curva bateu a traseira em um barranco, capotando por várias vezes em seguida.

    Mesmo todo amassado, o carro continuou na pista

    E o desafio continua

    Por sorte de Bird, que saiu praticamente ileso do ocorrido, o valente Gordini parou em pé, com as quatro rodas no chão. A FIA não permitia ajuda externa enquanto o carro estivesse na pista, ou seja, se ele terminasse capotado com as rodas para o ar, era o piloto que teria que desvirá-lo sozinho. Apesar dos danos significativos na traseira, capota, para-brisa quebrado e rodas tortas, logo o Gordini voltou a funcionar, e Bird seguiu a volta até chegar nos boxes.

    Lá, por questões de aerodinâmica e turbulência, foi preciso retirar o vidro traseiro também, e após a troca de uma das quatro rodas e de seu respectivo pneu, o carro estava pronto para voltar a rodar. Nada estrutural o mecânico foi danificado, mas a lataria seguiu amassada até o final, mesmo após a tentativa de um reparo “rústico” no teto: Nelson Brizzi, chefe dos mecânicos, usou seu porte avantajado para ir empurrando parte da lata com as costas para seu local original.

    Como o Gordini seguiu sem para-brisas ou vidro traseiro, os pilotos seguintes precisavam utilizar óculos, bandanas, máscaras e outras proteções contra os fortes ventos, chuvas e mosquitos que encontrassem no caminho.

    A região de Interlagos era absolutamente deserta naquela época e, também graças aos lagos, existia um grande fluxo de animais por lá, e era comum o aparecimento deles na pista. Duas situações curiosas chamaram a atenção nos 22 dias de prova: um dos pilotos relatou, em uma parada, que havia atropelado um enorme lagarto, mas não houve danos ao carro; e, em outro perigoso ocorrido, com Carol Figueiredo ao volante, um cavalo branco invadiu a pista, obrigando manobras do piloto para evitar outro acidente.

    Ainda assim, apesar do capotamento (que também fez reduzir um pouco sua média-horária por volta), o carro não apresentou problema algum durante a prova inteira.

    Bandeirada e recordes para o Gordini

    Depois de cumprir os 50 mil km propostos, o heróico carro voltou à pista para cumprir mais 1.230 km

    Com o aumento da prova por mais um dia e cerca de 1.230 km extras após o recorde dos 50 mil km, a bandeirada final foi dada por volta das 18h do dia 17 de novembro de 1964, e ao volante estava Luiz Antônio Greco, chefe da Equipe Willys, que liderava o time de pilotos e dirigia o Gordini. O dia extra também garantiu mais três recordes ao carro, equipe e time de pilotos, chegando assim a 133 no total: 25 internacionais (10 de distância e 15 de tempo), 54 nacionais (28 de distância e 26 de tempo) e outros 54 estaduais (28 de distância e 26 de tempo). Memoráveis!

    O Willys/Renault Gordini, que tinha a missão de provar sua confiabilidade, acabou dando um show de resistência e valentia nesses 22 dias e mais de 51 mil km de prova de longa duração. Alguns pilotos e mecânicos da época disseram até que o carro seria capaz de repetir a prova e resistir bravamente a outros 50 mil km. Sem dúvidas, o carro surpreendeu a todos da indústria automobilística nacional, e entrou para a história.

    Um feito extraordinário, que é lembrado 60 anos depois!

    Documentário “O Teimoso”

    Este é o documentário da época “O Teimoso” , da Jota Filmes. Apesar da péssima qualidade das imagens, vale a pena assistir

    Redação: Sala de Imprensa – Renault

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