Colunista Convidado

140 anos! A “NOVA” História do Automóvel

Gustave Trouvê e o primeiro veículo elétrico do mundo. Paris, 1881

O carro elétrico “vem aí?” Já está aí? Ou só está voltando?

Antes de me chamar de mentiroso, sabia que o primeiro brasileiro a ter um carro elétrico foi o Santos Dumont? Vou dar uma pausa para o leitor se encher de razão e dizer que leu em algum lugar que o carro do Santos Dumont era um Peugeot, à gasolina, de 1881.

Pronto, agora que a gente está se entendendo, eu posso dizer que o Alberto Santos Dumont, depois que trouxe o famoso Peugeot Type 3 para o Brasil, voltou para França no ano seguinte para morar, estudar e desenvolver suas ideias com balões. O que é novidade aqui é que enquanto Santos Dumont não voava, teve pelo menos outros 4 veículos no período que morava na França ainda antes de 1900 e, um deles, era um Buggy elétrico!

Santos Dumont Buggy Elétrico

O Buggy elétrico de Santos Dumont

Até o ano de 1900, é provável que existissem no mundo mais fábricas de veículos elétricos e movidos a vapor, do que fábricas de veículos à gasolina. Entre essas 3 opções, o veículo elétrico era o melhor, mas rápido, com menos barulho, nada de fumaça, porém (claro) não dava para ir muito longe devido à fragilidade das baterias em relação à autonomia e  recarga.

E daí? Cadê a novidade no contexto histórico?

Todo mundo sabia (pelo menos quem se preocupou em saber) que a história do automóvel começa a ser contada em 1886, quando Karl Benz patenteou o seu triciclo com motor a gasolina em julho daquele ano. Nem vou entrar no mérito dessa questão ao considerar a possível chance do veículo criado por Samuel Marcus (um austríaco judeu que apresentou o primeiro carro na Áustria entre 1884 e 1888) ter sido o verdadeiro criador do primeiro veículo a gasolina do mundo, porque essa discussão nunca vai ter fim lá no velho mundo.

Benz Patent Motorwagen 1886

O que deve mudar daqui para frente é que agora com o “retorno” dos elétricos, a data de criação do primeiro automóvel começará a ser rediscutida. Se a História do Automóvel começava, nos livros, em 1886 porque nascia ali o primeiro veículo a gasolina com motor de 4 tempos que, basicamente, foi o conceito que sobreviveu ao tempo e ainda existe até hoje, agora temos outra opção de energia para nossos carros novamente.

Ou seja, o veículo elétrico não é novidade!

Mesmo sem ter ficado completamente fora do cenário, pois sempre houve tentativas de fabricar veículos elétricos (inclusive no Brasil), além de kits de conversão, o fato de começar a aceitar o “carro elétrico” no cotidiano também nos força e lembrar que “veículos elétricos são veículos como qualquer outro.”

É aqui que a história muda

Mesmo que a Alemanha ou a Áustria passassem a vida toda brigando por quem inventou o automóvel primeiro, o retorno do veículo elétrico para nosso meio de convívio nos faz lembrar que antes ainda da criação do veículo a gasolina, tanto a Inglaterra, quanto a França já haviam criado seus veículos elétricos.

1881 – A “nova data” da História do Automóvel

Quando a energia elétrica foi descoberta, muita coisa foi inventada! Muitos criativos geniosos viraram célebres inventores da noite para o dia. As patentes de invenções chegavam às milhares e o mundo evoluía rápido com as novas descobertas.

Foi no século XIX que a Siemens patenteou o “dínamo”, que Gaston Planté patenteou a bateria de chumbo ácido “recarregável” e que o inventor Gustave Trouvê decidiu miniaturizar essas duas outras invenções, adaptar num triciclo “Coventry” e, pahhhhh, nascia o primeiro automóvel elétrico com “fonte interna” do mundo!

Triciclo Coventry usado como base para a invenção de Trouvê e em foto rara primeiro trólebus do mundo, testado pela Siemens numa feira internacional de Paris, em 1882

Fonte interna? Sim, porque veículos elétricos com fontes de energia externa (tipo os ônibus trólebus que são abastecidos pelos fios conectados nas redes de energia) já eram testados na época. A própria Siemens criou o primeiro trólebus em 1882.

Francês de nascimento, Gustave Trouvê já era famoso pelos arredores de Paris por ter desenvolvido um motor elétrico pequeno para colocar numa canoa, criando também o primeiro motor de popa da história (esse ele foi esperto e patenteou) e desenvolveu também o “motorzinho de dentista” que mudou a vida dos profissionais da área.

A invenção de Trouvê teve pouca repercussão na história do automóvel, provavelmente pelo mesmo fato das invenções a vapor também não terem tido o mesmo sucesso de desenvolvimento que as versões a gasolina tiveram. Na verdade, pouco se estuda sobre esses veículos que vieram “antes” da história do automóvel que sempre nos foi contada.

É tão incomum materiais sobre esses “outros” pioneiros que até mesmo entidades que entendem do assunto, derrapam na hora de contar esse novo capítulo histórico.

Se até a FIVA erra…

No dia 09 de setembro de 2020, A FIVA (Federação Internacional de Veículos Antigos), o órgão máximo do antigomobilismo mundial, fez uma postagem para comemorar o Dia Mundial do Veículo Elétrico.

O texto era lembrando os leitores aquilo que escrevemos aqui, que em 1881, o francês Trouvê passeou com sua invenção em Paris. Tudo corria bem, um texto fácil de entender, alguns internautas comentando e compartilhamentos correndo solto. Só que ninguém reparou que a imagem que ilustrava a postagem (ilustra, né! Porque até o momento dessa publicação a imagem ainda está lá e ninguém se manifestou) está errada!

Isso mesmo, o veículo não é aquele!!!

Nosso órgão máximo cometeu um equívoco que não é raro! Errou o veículo na hora de falar sobre. O Veículo que a postagem se refere foi (o que podemos considerar) o segundo veículo elétrico fabricado no mundo, pelos ingleses William Ayrton e John Perry provavelmente um ano depois de Trouvê.

Se o leitor se arriscar pelo Google e escrever “Gustave Trouvê”, vai notar respostas com o modelo criado pelos ingleses quase em mais referências do que o modelo correto criado por Trouvê.

Diferente do primeiro veículo elétrico, o triciclo utilizado por William e Perry era da marca Howe, muito menos bizarro que o Coventry usado pelo Trouvê. Outra característica foram as baterias de chumbo ácido serem mais modernas que as também usadas por Trouvê. Em 1881, Camille Faure modernizou as baterias de chumbo ácido tornando mais fáceis de serem utilizadas e foram elas que serviram de fonte interna para o triciclo inglês.

Triciclo elétrico dos ingleses William e Perry. O segundo veículo do mundo (1882) e o primeiro com sistema de iluminação

Para arrematar sobre este segundo veículo elétrico, o atrevido triciclo contava com dois aparelhos de iluminação, que não sei dizer se seriam lâmpadas elétricas, pois a lâmpada havia sido criada apenas três anos antes, mas o importante é dizer que o “segundo veículo elétrico do mundo, foi o primeiro a ter sistema de iluminação”.

Se eu não fosse uma pessoa de bem, voltada sempre para a paz e que passasse sempre longe de confusão, eu diria para o Ingleses requererem o direito de serem os inventores do automóvel em cima dos franceses, porque mesmo que o veículo inglês fora apresentado um ano depois do francês, ele possuía sua tração totalmente elétrica, diferente do triciclo de Trouvê que, mesmo com as baterias e o motor, ainda contava com o sistema de pedal original do triciclo, logo, movido a feijão também! Praticamente um híbrido!

Mas eu sou da paz, não direi nada aos ingleses.

Comemorar é ainda mais importante e viva os 140 anos de História do Automóvel.

Obs. Não pensem que esqueci do Le Fardier aqui! O dia que um veículo a vapor voltar a vender na loja, a gente desenterra o Nicholas Cougnot, Prometo!


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Tiago Songa

Tiago Songa é jornalista especializado em História do Automóvel. Foi editor e redator da Revista A Biela e do Jornal Pistão, ambos voltado para o antigomobilismo. Ex-Diretor da FBVA por quase 10 anos. Atualmente comanda o PNT - Pé na Tábua, um dos principais eventos de antigomobilismo do Brasil e, segundo Songa, o mais divertido do universo!

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