A breve trajetória desse luxuoso nacional, que serviu presidentes, personalidades e teve exclusivíssima produção de apenas 27 unidades
Em 1967 o mercado mundial de automóveis oferecia apenas nove limusines originais de fábrica (Mercedes-Benz 600 Pullman, Daimler Majestic, Rolls-Royce Phanton V, Vanden Plas Princess, Zil 1116, Valiant Limousine, Nissan Prince Royal e Cadillac Fletwood 75) e entre estes estava o brasileiro Willys Itamaraty Executivo.
O projeto de se construir uma limusine nasceu na administração do então presidente da Willys-Overland do Brasil Sr. William Max Pearce, um americano que iniciou sua carreira como piloto do Sr. Edgar Kaiser (filho do magnata do ramo da metalurgia Henry Kaiser, fundador da indústria de automóveis Kaiser-Frazer) e que aceitou o desafio de trabalhar no Brasil, a partir de 1955 onde ocupou os cargos de diretor industrial e diretor administrativo, até chegar à presidência da empresa onde permaneceu até sua transferência para a Ford em 1967.
A estratégia de marketing da Willys para o Itamaraty Executivo
Na propaganda da Willys de 1967, o Itamaraty Executivo: status
Senhor Pearce tinha uma visão muito especial de como promover os produtos da Willys. Bom exemplo disso é o lançamento do novo Aero Willys 2.600 que aconteceu no Salão de Paris de 1962, pois, se o automóvel fosse lançado no Brasil, não seria alcançada a repercussão necessária para promover aquele que foi um dos maiores projetos automobilísticos já realizados no Brasil.
A limusine também era uma boa ideia de marketing, pois foi intencionalmente construída em número limitado, com o objetivo de dar ainda mais prestígio à marca. Parte deste marketing incluía a entrega, durante o V Salão do Automóvel, de um modelo com características únicas para o uso exclusivo do Presidente da República. Os outros exemplares serviriam a governadores, ministros e possivelmente alguns empresários.
A imprensa especializada já vinha antecipando a existência do projeto e um dos fatores que criaram grande expectativa era a crença de que o automóvel a ser oferecido para a Presidência da República seria equipado com vidros à prova de balas e com carroceria blindada. Tudo isso ajudou a dar mais notoriedade à limusine.
Finalmente o lançamento oficial se deu no V Salão do Automóvel, que se realizou no pavilhão do Ibirapuera (em São Paulo) entre 25 de novembro e 12 de dezembro de 1966, com a entrega do modelo Especial (E-340 chassi 05) ao então Presidente da República, o Marechal Castello Branco. Na verdade, este modelo não era blindado, mas possuía alguns equipamentos a mais do que os outros, tais como o rádio transmissor (colocado no porta-malas, com uma bateria suplementar), suportes para os pequenos mastros para as bandeiras nos pára-lamas dianteiros, brasões da República nas colunas da capota e no centro do banco, plataformas escamoteáveis e alças externas para uso dos seguranças, além de uma televisão e de um velocímetro no console central do habitáculo traseiro. Somente este veículo, de toda a série, usava o brasão da República nas colunas traseiras e entre os bancos dos passageiros.
Naquele salão a Willys estava instalada num estande de 1.700 metros quadrados, bem no centro do pavilhão de exposições e levou para mostrar ao público 23 automóveis, entre os quais chamavam a atenção o Executivo presidencial, um Executivo Standard, um Willys Fórmula 3, um protótipo com motor entre eixos e um Willys-Knight 1928 (que participou do filme “Meu pé de laranja lima”) entre outros automóveis e utilitários, além dos outros produtos que também fabricava, tais como motores marítimos, conjuntos geradores, etc..
Destaques dos classificados
O Willys Itamaraty Executivo em novas mãos
Alguns dos Itamaratys Executivos saíram da fábrica muito tempo após seu lançamento e isto se deveu não à falta de sucesso, mas, sim, pelo fato de que algums após o V Salão, em abril de 1967, já se anunciava que a Ford dos Estados Unidos já havia comprado todas as ações da Willys que pertenciam à Kaiser Jeep Corporation (35.75%) nos Estados Unidos e as ações da Régie Nationale des Usines Renault (12%) na França e, consequentemente, havia se tornado a dona da Willys no Brasil.
No mesmo Salão, o lançamento do Ford Galaxie foi uma das grandes sensações
Desta forma, não havia maior interesse por parte do novo acionista em continuar a promover o modelo de prestígio da Willys. Aliado a isto, o lançamento do Galaxie no mesmo V Salão do Automóvel teria atraído toda a atenção da Ford ao novo modelo e queria mostrar ao consumidor brasileiro uma nova concepção de automóvel de luxo que, sem dúvida, era mais avançada do que a oferecida pela Willys naquele momento. Isto explica o fato de alguns Executivos terem sido vendidos muito tempo depois de seu lançamento, já que, segundo alguns relatos, o Executivo Standard número 14 teria sido o último fabricado antes da venda da Willys e que teria ficado “escondido” na fábrica por alguns anos até ser finalmente vendido a um particular.
O futuro frente à nova concorrência
O Executivo, assim como o Itamaraty e o Aero não poderiam ser comparados com o Galaxie por serem projetos totalmente diferentes inclusive na tecnologia empregada. Pode-se então entender a venda da Willys por parte da Kaiser, pois este grupo controlador, naquele momento, mantinha interesses na área automobilística somente na Argentina através da IKA – Indústrias Kaiser Argentina e no Brasil através da Willys. Investimentos numa eventual atualização tecnológica custariam milhões de dólares sem que se tivesse certeza do retorno, ao competir em pouquíssimo tempo, com produtos mais modernos das três grandes empresas automobilísticas americanas que estavam trazendo para o Brasil modelos tais como o já citado Galaxie, o Opala e o Dodge Dart.
Com relação a custos, para que possamos ter uma ideia, o Itamaraty Executivo especial custava o equivalente a aproximadamente 4 Volkswagens sedan ou seja Cr$ 27.003, enquanto um Itamaraty custava Cr$ 13.947 e um Galaxie Cr$ 21.909.
O motor era o mesmo 6 cilindros 3000 dos demais Itamaraty
O Itamaraty Executivo, seus números e características
No total foram fabricadas 27 limusines, sendo 2 protótipos, 19 do modelo “Standard” e 6 do modelo “Especial”. Sua carroçaria foi desenvolvida em conjunto com a Karmann-Ghia, sendo que alguns exemplares têm gravado numa pequena placa nas soleiras das portas traseiras os dizeres “Carroceria Karmann-Ghia”. A modificação consistiu na inserção de mais alguns centímetros entre as portas e também entre a porta traseira e o porta-malas. Importante notar que parte deste ganho de dimensões foi obtido devido à limitação de espaço para o motorista, já que o banco dianteiro não permitia regulagens.
Centímetros a mais entre as portas e na traseira, em relação aos exemplares “normais”
O modelo “Standard”, que era tecnicamente conhecido como série 6-1152 S-340, era uma versão com diversas características exclusivas, porém menos luxuoso que o modelo “Especial”, que era da série 7-1153 E-340.
A grande diferença entre o Itamaraty Executivo e o convencional estava no habitáculo para os passageiros, pois havia, na versão “Standard”, espaço para 5 pessoas sendo 3 no banco propriamente dito e 2 nos banquinhos escamoteáveis situados nas laterais da parte central do automóvel, vidro elétrico separando o motorista, rádio com 4 faixas de ondas, toca-fitas de cartucho Clarion Car Stereo, apoio móvel para os pés, detalhes de acabamento em jacarandá-da-Bahia maciços, vidro tipo “ray-ban” no para-brisas e no vidro traseiro, ar condicionado e uma plaquinha em prata indicando que o veículo havia sido “Fabricado especialmente para…”.
O vidro traseiro era menor, para maior privacidade dos passageiros
A versão “Especial” tinha todos estes requintes, mas com capacidade para 4 passageiros. O banco era separado por um console fixo que possuía um gravador Sony, um barbeador Remington Roll-a-Matic, um toca-fitas de cartucho Clarion Car Stereo, espaço para guardar as fitas cartucho, além dos controles de luzes internas, separador de vidro entre as cabines e acendedor de cigarros. Interessante notar que o padrão do estofamento foi inspirado no que fora usado no Itamaraty 1966, sendo então composto de grandes quadrados delineados por costura e com botões nas extremidades.
O luxuoso interior em couro
Os interiores eram sempre em couro, na sua maioria, da cor marrom havana na parte dos passageiros e preto na parte do motorista. (existe um exemplar com havana nas duas cabines). Mas era oferecido também nas cores preto, cinza e branco.
Eles saíram de fábrica geralmente na cor preta. São conhecidos apenas três exemplares de outras cores, sendo dois azuis marinho (um deles foi de uso da Willys e posteriormente pintado de preto pela própria fábrica) e um verde, cujo proprietário pintou de preto. Dos automóveis atualmente conhecidos apenas um não é preto.
Nessa propaganda, um dos dois exemplares na cor azul marinho
Os “Executivos” e seus proprietários
Dos 27 automóveis produzidos, 22 tiveram seus primeiros proprietários identificados. Hoje só se conhecem 19 sobreviventes que estão, na sua maioria, na mão de colecionadores. Em alguns casos foram modificadas algumas características originais colocando-se, por exemplo, teto solar, calotas e sobre aros diferentes, detalhes de anos anteriores, espelhos retrovisor no lado direito, brasões da República afixados nas colunas traseiras além de modificações no padrão do estofamento entre outras mudanças.
Exemplar pertencente à Coleção Automóveis do Brasil, de São Paulo
É sabido que os automóveis não seguiram um padrão pois eram fabricados um a um. Todavia, existem certas características de fabricação da Willys que identificam claramente se as modificações foram executadas pelos atuais proprietários desobedecendo-se a originalidade de fábrica e até de época.
É interessante notar que alguns automóveis saíram de fábrica com detalhes que lhes conferiam exclusividade, como o grande teto solar do “Especial” número 5 que pertenceu ao Governo do Estado de São Paulo.
A ordem de fabricação não respeitou a ordem numérica dos chassis e um dos últimos a saírem da fábrica (já com a marca Ford-Willys) foi o “Standard” número 16 que foi vendido para a prefeitura da cidade gaúcha de Pelotas em julho de 1969. Era um modelo realmente simples, pois não tinha o nome Itamaraty nem o detalhe prateado no capô. Tinha a grade dianteira do Itamaraty 1968 e o console do habitáculo dos passageiros era inteiriço pois não possuía rádio.
Percebe-se, que a fábrica aceitava modificações, pois o automóvel seguinte, de número 18, saiu da fábrica em agosto de 1969 sem as modificações por que passou o número 16.
Poucas unidades do Itamaraty Executivo foram vendidos para particulares já que dois foram para a Presidência da República, seis para governos estaduais, três para o Ministério das Relações Exteriores, um para o Ministério da Aeronáutica, um para o Tribunal de Justiça do Paraná e um para a Prefeitura de Pelotas. Dos demais que se tem notícia, três foram vendidos para empresas e cinco para pessoas físicas.
O Itamaraty Executivo e seus passageiros ilustres
Muitos fatos interessantes ocorreram com os Itamaratys Executivos, mas um é especial e aconteceu com o exemplar do Governo do Estado de São Paulo (E-4) quando o governador era Abreu Sodré. Certa noite, em meados de 1968, o automóvel foi metralhado no bairro do Pacaembu com o Sodré a bordo. Ele só não se feriu porque estava recostado no banco traseiro com os pés apoiados na banqueta retrátil. Mesma sorte não teve o motorista que foi ferido nas pernas. Consta que, durante a reforma, o seguinte proprietário teria encontrado uma das balas alojada no interior de uma das portas.
Com exceção do Rolls-Royce da Presidência da República (que foi comprado e não doado pela rainha da Inglaterra), nenhum outro automóvel serviu a tantos presidentes e autoridades estrangeiras quanto o Itamaraty Executivo. Para se ter uma ideia, só o presidencial (E-5) serviu a sete presidentes da República e teve sua última grande aparição pública na posse do presidente Collor, quando foi usado para levar sua esposa à cerimônia.
Entre os passageiros mais ilustres que se serviram do Itamaraty Executivo, podemos citar a rainha Elizabeth II da Inglaterra, o Príncipe Akihito e a Princesa Michiko do Japão, a Primeira-Ministra da Índia, Indira Ghandi, entre outros em visitas que fizeram ao Brasil.
Com todo este passado, é inegável que o Itamaraty Executivo seja não só um clássico, mas um dos automóveis mais raros e interessantes já fabricados no Brasil e que tem lugar assegurado na história de nosso país.
Texto: José Antonio Penteado Vignoli
Fotos: José Antonio Penteado Vignoli e Divulgação
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