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Um sonho antigo, com ’40 hp de emoção’

Um sonho antigo, com ’40 hp de emoção’

*Adriano Esteves Ferreira

[dropcap]E[/dropcap]m 1960 a indústria automobilística nacional estava com tenros 4 anos de idade e havia poucos modelos “nacionais” de passeio em produção.

A Willys Overland do Brasil produzia no Brasil – sob licença da Renault – um carrinho bem compacto e muito simpático, o Dauphine, com motor Ventoux refrigerado a água e instalado na traseira (assim como o VW Fusca) e câmbio com 3 marchas para a frente, no assoalho.

Em 1962 chegou uma versão mais “vitaminada” do Dauphine, que recebeu o nome Gordini. Tinha melhor acabamento, motor mais potente (“40 HP de pura emoção”) e câmbio de 4 marchas ( a 1ª não sincronizada).

Mas como ele e o sócio precisavam do carro para trabalhar e o “danado” ficava muito tempo parado na oficina, em menos de 1 mês o carro foi revendido… e pela metade do preço!

Em 1966, a Willys lançou o Gordini II, com diversos melhoramentos de ordem visual e mecânica. Chamava a atenção de alguns o fato de que o bocal do tanque de gasolina havia migrado do cofre traseiro para um lugar rente ao vidro traseiro.

O meu irmão mais velho (Alberto) contou recentemente que seu primeiro carro (em sociedade com um amigo) tinha sido um Gordini. Isso lá por volta de 1968. Mas como ele e o sócio precisavam do carro para trabalhar e o “danado” ficava muito tempo parado na oficina, em menos de 1 mês o carro foi revendido… e pela metade do preço!

No fim dos anos 1960 meu tio Darino tinha um Gordini, novinho. Aos domingos, ele costumava embarcar toda a família (ele mais a esposa e três filhas pequenas) no carrinho e viajavam da Tijuca até o Irajá (bairros do Rio de Janeiro). O carrinho era valente e parecia ser muito espaçoso…

Fernando Garcia, um amigo do meu irmão Armando, também teve um Gordini naqueles agitados anos 1960 e, segundo ele, “era muito usado para namorar”. Hoje, sem muito esforço, concluo que ele e as garotas daquele tempo eram bem pequenos…

Fiquei adolescente e um dos meus primeiros “sonhos” foi possuir um Gordini. Mas não havia a mínima chance desse sonho se concretizar (eu era menor de idade e “duro”). Ainda que eu pudesse comprar um, certamente teria sofrido “bullying” dos parentes e amigos, inconformados por eu querer um “Leite Glória – aquele que desmancha sem bater…”.

Em 1978, na época em que a família se mudou para um apartamento em Copacabana, Arlindo (o meu 4º irmão) comprou de uma vizinha um Gordini IV, ano 1968. A cor era café-com-leite, mas o cheiro do carro era puro “xixi-de-rato”… O carro estava parado há algum tempo na garagem, e os ratos tinham comido boa parte da fiação… O carro conseguia sair de Copacabana, mas antes de entrar no Aterro do Flamengo o motor fervia (provavelmente por culpa do meu irmão, que não prestava atenção ao nível de água do radiador). O carro deu duas alegrias, a maior delas quando foi vendido. Ah se pudesse ter ficado com ele!… mas eu tinha apenas 18 anos e nem trabalhava ainda. Como manter um carro se eu nem dava conta de me manter?

Em meados da década de 1980, eu já estava formado e morando em Brasília. O meu irmão Armando tinha um Dodge Charger R/T 1978, que me permitia “voar baixo” pelas largas pistas da Capital Federal, à época sem os famigerados “pardais”…

No fim dos anos 80 minha mãe me deu o seu primeiro e único carro: um Opala 1974 Cupê, 4 cilindros, com câmbio de 3 marchas na coluna. Fiquei com ele de 1988 a 1997 e rodamos muitas dezenas de milhares de quilômetros…

O carro seguinte (um VW Voyage 1986) ficou poucos meses comigo, pois fui contemplado no consórcio de um carro “0 Km”.

A vontade de ter um carro mais antigo falou mais alto e, em 2000, já não tinha mais o carro “0 Km” de 1997 e, sim, um VW Fusca 1600, cor cinza, ano 1982, comprado de um colega de trabalho. Depois de alguns anos esse Fusca deu a vez a um Opala 1978 Cupê, 4 cilindros e câmbio no assoalho, de outro colega de trabalho… Mais tarde, esse Opala foi vendido para abrir espaço na garagem para outro Fusca, um 1600 de 1983, cor verde claro.

Mas a história seria totalmente diferente se eu já tivesse encontrado um Gordini…

A mudança para Curitiba implicou na venda do Fusca 1983 e durante alguns anos fiquei sem nenhum carro antigo.

Há alguns anos estive em Petrópolis com meu irmão Armando, para procurar um Gordini anunciado, que tinha motor VW 1600 refrigerado a ar. Chegamos a dar uma volta nele (como andava bem o danado!), mas o elevado preço do carro era incompatível com o fato de não ser um modelo “original”.

Em Curitiba, cheguei a pensar em ter um Ford Landau 1983 (o Galaxie sempre foi a minha segunda paixão) mas me assustei com o tamanho “real” do carro e fiquei muito receoso do câmbio automático.

Alguns anos depois adquiri na cidade de Colombo/PR um outro Fusca, ano 1994 (Itamar), cor prata, impecável… mas posteriormente o revendi.

Meus amigos e parentes ficavam “indignados” porque volta-e-meia eu comprava um carro, ficava com ele por um curto tempo, vendia e depois comprava outro. Uma relação meio que “sem apego”, que realmente não combinava muito com o perfil de pessoas que curtem carros antigos. Mas a história seria totalmente diferente se eu já tivesse encontrado um Gordini…

No começo deste ano, em que completei 55 anos de idade, decidi pesquisar “pra valer” os anúncios de Gordini. Sabia, por experiência, que o carro não estaria em Curitiba: primeiro porque os poucos que estavam à venda não me agradaram e depois, porque os que eu poderia querer comprar não estavam à venda…

Fiquei quase que diariamente pesquisando anúncios de carros que estavam no Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Até que finalmente encontrei o carro que vim a adquirir. O interessante é que eu já possuía algumas fotos dele em meu acervo de fotografias de carros nacionais antigos. Em meados de março deste ano fui a Blumenau/SC conhecer o carro “do anúncio”, e tudo nele me agradou: a cor (adoro azul), o modelo (1966, o único ano em que o bocal do abastecimento de gasolina era externo) e o perfeito estado de conservação, interna e externamente. Ele tem todos os frisos laterais e também os que circundam as caixas de rodas. As calotas estão lá, reluzentes. Há forração no porta-malas, e os revestimentos das portas e dos bancos estão impecáveis. O painel parecia perfeito e o motor tinha sido refeito há algum tempo (mas rodou poucas centenas de quilômetros…). A sensação foi de ter reencontrado “um velho amigo”. Após algumas semanas de negociação, voltei a Blumenau para efetivar a compra, e voltei no caminhão-guincho que o transportou até Curitiba. ‘O caminhão andava na velocidade da pista, mas meu coração estava a mil

Depois de tantos anos, consegui realizar o maior dos meus sonhos: ter um Gordini! E para os que dizem que “será um casamento”, fico feliz em dizer “aceito”… e digo mais: “que apenas a morte nos separe!”…

 

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*Adriano Esteves Ferreira é o mantenedor do Blog Carros Nacionais Antigos, que ninguém pode deixar de conhecer!  Atualmente tem 55 anos e nasceu no Rio de Janeiro. Vive em Curitiba, PR

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