Colunista Convidado

Oficinas do passado: curiosidades e fatos

*Fernando Nagib Jardim

[dropcap]D[/dropcap]esde garoto frequentava as oficinas de automóveis com meu pai, Renato, e meu padrinho, Tio João. Não entendia nada de automóveis, mas aprendi muito olhando por ali. Década de 60, tinha meus dez, doze anos. Rio de Janeiro.

Posso lembrar de alguns “causos” especiais.
Na era dos “possantes” V8 americanos e Dodges de seis cilindros em linha, os mecânicos não dispunham dessa recente parafernália eletrônica de diagnóstico. Na área de pintura, o lanterneiro era a figura chave, usando o martelinho e a peça rebatedora. Sem essa de trocar peças.

Via carburadores sendo regulados no ouvido. Até aí tudo bem, mas o mais sensacional era que colocavam um copo com água em cima do filtro de ar (que era banho de óleo, claro) e enquanto a água tremesse um pouco na superfície do copo o motor não estava afinado. Acreditem!
Dessas emoções vividas, houve mais.

O teste de bomba d’água era feito com um cabo de vassoura cortado e encostado na base da bomba e, na outra ponta, o ouvido aguçado, experiente do mecânico “diagnosticava” o estado de funcionamento da bomba antes de ser necessário, ou não, abrir o motor. Ele se chamava Seu João, e trabalhava bem ali no Andaraí, na Rua Ernesto de Souza. Além de grande profissional, era muito boa praça e honesto nos seus atendimentos. Vi outras situações, mas essas duas, em especial, foram marcantes.

Posso afirmar sem duvida alguma que eles com formação básica exibiam uma forte vontade de acertar. Eram outros automóveis, de concepção de durabilidade e conforto.
Quem não se lembra do Renault Dauphine 1960? Era um veiculo de três marchas e sem a primeira sincronizada, o chamado “queixo-duro”. Conheci esse carro pelas mãos do vizinho Ari, amigo de tantas estórias. Foi nesse Renault que vi pela primeira vez ser utilizado o rabo do macaco como manivela para o motor que estava com a bateria arriada. Vi também a lambada que ele levou na mão quando o motor funcionou e ela quase quebrada. Era muito bom sabermos que não dependíamos da bateria nem daquela boa vontade de eletricista para trocar a bateria ou mesmo “botar na carga lenta” que durava um dia. Que tempos!

Vieram os motores incrementados pela eletrônica e ceifaram muitos desses grandes profissionais, verdadeiros “doutores” em atendimento até “psicológico” dos proprietários de carros.

Até hoje vejo com respeito à faina diária do meu mecânico atual, o Gilvan. Atualizado ele. Mas sem perder a essência do ouvir o cliente, daquela de ser capaz de abrir o capô do motor do meu carro e dizer sem medo: — vai ficar bom! Que alivio…

Dessas caminhadas em oficinas de automóveis conheci a figura do “mechanico”, era aquele cara que mexia no seu carro e mexia muito mais no seu bolso. Botava banca, mas não sabia o que fazer, por exemplo, para tornar econômico um motor seis “canecos” daqueles que utilizavam no Aero Willys. Missão impossível que era resolvida com trocar o giclê de maior calibre pelo de menor calibre. No final o carro ficava sem força, “batia pino” e deixava o motorista frustrado. Via isso com grande curiosidade, considerando minha idade. Aprendi uma máxima que meu pai sempre repetia: gasolina é o menor custo de um automóvel. E assim voltávamos para o giclê original que, por sorte, não tinha sido enviado para o lixo.

Pouco a pouco fui vendo que desses momentos ficavam a experiência adquirida e a esperança de ver o carro rodando macio e silencioso o que nem sempre acontecia.
Como o Dodge Kingsway 1951 do meu pai que era pintado no modelo “saia e blusa”, cinza grafite com capota gelo. O botão que acionava os limpadores de para brisas tinha quebrado e o jeito foi utilizar o botão do fogão de casa que tinha aquela lamina de metal que encaixava exatamente na ranhura da base. Um sucesso! Viva o fogão Cosmopolita que entrava no ramo de automóveis e nem sabia.

Hoje aos 58 anos, ainda mantenho a paixão pelo automóvel, mas sem aquela curiosidade infantil. Creio que posso ser feliz apenas apreciando a beleza de curvas fechadas como da antiga Serra das Araras e as lembranças incríveis desses carros incríveis.


*Fernando Nagib Jardim mora no Rio de Janeiro e é farmacêutico, trabalhando em um hospital público. E antigomobilista de coração, é claro!

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